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21 dezembro 2018

Do amor de Poseidon e Nerites nasce Anteros

Homossexualidade na Mitologia Grega - Poseidon e Nerites - Nerites, de Shanina Conway
Nerites, arte de Shanina Conway
 Nerites, filho do deus marinho Nereu e da oceânida Dóris, é o único irmão do sexo masculino das nereidas, as ninfas do mar. Sua extraordinária beleza o fez alvo do amor de poderosos deuses do Olimpo, como Poseidon e Afrodite, e também do titã Hélio, o deus-sol.

Homossexualidade na Mitologia Grega - Poseidon e Nerites, MYTHOS: Queer Legends of Greek Gods and Heroes, Linda R. Larson
Poseidon e Nerites na capa de MYTHOS:
Queer Legends of Greek Gods and Heroes
,
de Linda R. Larson
Nerites é um lindo e jovem deus do mar que foi transformado em marisco pelos deuses. De acordo com alguns, ele era um companheiro e amante da deusa nascida no mar, Afrodite. Quando ela foi convidada a se juntar aos deuses no Olimpo, Nerites se recusou a acompanhá-la por preferir ficar com sua família no mar e por essa razão foi punido com a metamorfose. Outros dizem que ele era amante e cocheiro de Poseidon e que ousou desafiar o deus-sol Hélio para uma corrida de carruagens. Nerites, é claro, foi derrotado e, como castigo por sua arrogância, foi transformado pelo deus em um marisco que se move lentamente.

Mas vamos conhecer a fonte original onde foi registrado esse mito do belo Nerites, dos seus romances com Afrodite e Poseidon e de como de seu amor pelo imperador do mar fez nascer o deus Anteros (sim, na mitologia grega também tem história de dois pais tendo filho! [e não é a única, ainda contarei a vocês uma das versões do nascimento do belo gigante caçador Órion]).

Homossexualidade na Mitologia Grega - Poseidon e Nerites
Mariscos nerites
Cláudio Eliano, 'Sobre os Animais' (século 2 EC):

"Há no mar um marisco com concha em espiral, pequeno em tamanho, mas de beleza extraordinária, e nasce onde a água é mais pura e nas rochas sob o mar e nos chamados recifes submersos. Seu nome é Nerites: duas histórias estão em circulação tocante a essa criatura, e ambas chegaram até mim; além disso, contar uma história curta no meio de uma longa história é simplesmente dar descanso ao ouvinte e suavizar a narrativa.

Hesíodo canta como Dóris, a filha de Oceano, gerou cinquenta filhas [as Nereidas] com Nereu, um deus do mar, de quem até hoje sempre ouvimos falar que é confiável e incapaz de mentir. Homero também os menciona em seus poemas. Mas eles não afirmam que um filho nasceu depois de todo aquele número de filhas, embora ele seja celebrado nos contos dos marinheiros. E estes dizem que ele foi chamado Nerites e que era o mais belo dos homens e dos deuses; também que Afrodite deleitava-se em estar com Nerites no mar e o amava. E quando o tempo predestinado chegou, em que, a pedido do Pai dos Deuses [Zeus], Afrodite também teve que se assentar entre os Olimpianos, eu ouvi dizer que ela ascendeu e desejou trazer seu companheiro e amigo de brincadeiras.

Afrodite (Vênus), Erotes, Pompeia, Itália
Afrodite (Vênus) elevando-se do mar numa concha acompanhada de dois erotes
(pintura mural em Pompeia, Itália)
Mas a história diz que ele se recusou, preferindo a vida com suas irmãs e seus pais ao Olimpo. E então a ele foi permitido crescer asas: isso, eu imagino, foi um presente de Afrodite. Mas mesmo esse favor para ele não significou nada. E assim a filha de Zeus foi movida a raiva e transformou a forma dele em uma concha, e por sua própria vontade escolheu em seu lugar para seu assistente e servo Eros (Amor), que também era jovem e belo, e para ele deu as asas de Nerites.

Homossexualidade na Mitologia Grega - Erotes, Anteros, de Alfred Gilbert (1893). Piccadilly Circus, Londres, Inglaterra
Anteros, de Alfred Gilbert (1893).
Piccadilly Circus, Londres, Inglaterra
Mas o outro relato proclama que Poseidon era o amante de Nerites, e que Nerites retribuiu seu amor, e que esta era a origem do célebre Anteros (Amor Mútuo).

E assim, como me disseram, de resto o favorito passava seu tempo com seu amante, e além disso, quando Poseidon conduzia sua carruagem sobre as ondas, juntando todos os grandes peixes, assim como golfinhos e tritões também, que emergiam de suas assombrosas profundezas, brincavam e dançavam ao redor da carruagem, apenas para serem deixados totalmente para trás pela velocidade de seus cavalos; apenas o rapaz favorito era seu acompanhante próximo, e diante deles as ondas afundavam para descansar e o mar se abria em reverência a Poseidon, pois o deus queria que o seu belo favorito não fosse apenas muito estimado por outras razões, mas também deveria ser preeminente nas habilidades aquáticas.

Homossexualidade na Mitologia Grega - Poseidon, de Hyoung Nam
Poseidon (arte de Hyoung Nam)
Mas a história relata que Hélio, o Sol, ressentiu-se do poder da velocidade do rapaz e transformou seu corpo na concha espiral como é agora: a causa de sua raiva não posso dizer, nem a fábula a menciona. [Nerites pode ter se gabado de que sua carruagem era mais veloz que a do deus-sol ou talvez tenha desafiado o deus para uma corrida.] Mas se alguém pode supor onde não há nada para se afirmar, pode-se dizer que Poseidon e Hélio (o Sol) eram rivais [pela afeição de Nerites]. E pode ser que Hélio tenha se irritado com o rapaz viajando pelo mar e desejou que ele viajasse [consigo] entre as constelações em vez de ser contado entre os monstros marinhos.

Eis as duas fábulas; mas que os deuses sejam bons para mim e, de minha parte, permitam-me observar um silêncio religioso em relação a elas. Mas se minhas fábulas disseram qualquer coisa muito ousada, a culpa deve ser atribuída a elas."

Homossexualidade na Mitologia Grega - Hélio e Selene, de Hans Rathausky
Hélio e Selene, de Hans Rathausky (1891)
Como complemento mencionado por Apolônio de Rodes, em sua Argonáutica, em ambas as versões do mito a nereida Nerea, uma das irmãs de Nerites, encontrou-o e rogou a Poseidon para trazer-lhe de volta à sua forma normal. Na versão em que Nerites foi amante de Afrodite o deus Poseidon foi levado pela piedade, enquanto na versão do romance do deus com o rapaz o rei dos mares foi levado também por amor a ele.

Homossexualidade na Mitologia Grega - Poseidon (Copenhague, Dinamarca)
Poseidon (Copenhague, Dinamarca)
Curiosamente, as duas versões não são excludentes: podemos facilmente entender que Nerites primeiro amou Afrodite e foi por esta transformado num marisco, sendo trazido de volta ao normal por Poseidon, que então se apaixonou por ele, e Hélio, enciumado, o transformou de novo no marisco, e mais uma vez Poseidon o trouxe de volta.

Não é mencionado se o romance de Poseidon e Nerites aconteceu antes ou depois do casamento de Poseidon e Anfitrite, uma das cinquenta nereidas e, portanto, irmã de Nerites. Mas isso não seria um problema para os Deuses, pois Zeus mantém o seu amado Ganimedes ao seu lado no Olimpo.

Fontes:
Nerites (Theoi.com) (em inglês)
Nerites (Wikipedia) (em inglês)

8 comentários:

Anônimo disse...

Amei esse mito trabalhei (dentro da bruxaria) com Anteros e não conhecia esse mito!!! Como so to sabendo Agora!!!

Fábio Máximo disse...

Interessante, Fernando! Você mesmo que cria os rituais ou segue algo já estabelecido? Fiquei interessado nesse ritual bruxo com Anteros.

Infelizmente MUITO da mitologia grega não é divulgado (menos ainda em português no Brasil) por ela ser recheada de homoerotismo (sobretudo masculino), mas sempre se descobre mais e mais à medida que vai se cavando.

Obrigado pelo seu comentário.

Anônimo disse...

Eu costumo usar como base dos meus rituais praticas wiccanianas e do livro Aradia evangelho das bruxas, faço atos simbolicos, dança, oferendas de flores e ja fiz ate brigadeiro para Anteros, orações e é claro converso com o deus! Amo magia e bruxaria!

Fábio Máximo disse...

Muuuuuito legal isso! Já li sobre pessoas oferecendo chocolate a Afrodite. Devido à conotação romântica do chocolate no Dia dos Namorados, as deidades do amor devem adorar (mas quem não adora, não é mesmo?).

Se algum dia você quiser divulgar seus rituais centrados em deuses/heróis/santos LGBTs, me avisa que eu publico aqui. Com os devidos créditos, é claro.

Um abraço.

Anônimo disse...

Eu gosto de trazer elementos culturais nossos para praticas religiosas como o caso do brigadeiro é um doce brasileiro, tem relação com alegria, prazer, docura, festa e ainda cacau que era a bebida sagrada para deuses astecas e mais.

Fábio Máximo disse...

Muito interessante isso!

Anônimo disse...

Sim! depois vou criar um ritual simples com algum deus relacionado a homotheosis e te mando se você gostar pode postar se você não achar bom vou ficar de boa sem ressentimentos!

Fábio Máximo disse...

Tá certo, então. Vou aguardar!

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