Hoje, 7 de outubro, é dia de São Sérgio e São Baco, soldados cristãos romanos do século IV reverenciados como mártires e santos militares pelas Igrejas Católica e Ortodoxa Oriental.
De acordo com sua hagiografia, Sérgio e Baco eram oficiais do exército do imperador romano Galério e foram mantidos em seu favor até serem expostos como cristãos secretos. Eles foram severamente punidos, com Baco morrendo durante tortura e Sérgio eventualmente decapitado.
Sérgio e Baco eram muito populares em toda a Antiguidade Tardia, e igrejas em sua homenagem foram construídas em várias cidades, incluindo Constantinopla e Roma. A estreita amizade entre os dois é fortemente enfatizada em suas hagiografias e tradições, tornando-os um dos exemplos mais famosos de pares de santos. Essa proximidade levou o historiador John Boswell a sugerir que o relacionamento deles era romântico; embora outros historiadores tenham rejeitado essa teoria, ela levou à veneração popular de Sérgio e Baco entre os homens que amam homens da comunidade cristã e também fora dela.
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Santos Sérgio e Baco. Ícone do século VII do Mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai em Israel |
Mas isso também invocou respostas negativas ao reexame de documentos históricos sem reações andro-homofóbicas modernas, respostas que gastam muito esforço tentando provar que esses exemplos não eram realmente amantes, mas “amigos, irmãos, irmãs” (ou "apenas primos", como no caso de Aquiles e Pátroclo) que expressavam seu amor mais intimamente do que irmãos e amigos fariam nas culturas aparentemente mais andro-homofóbicas de hoje.
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Santo Amor (Holy Love) — Sérgio e Baco como patronos do amor por William Nino Neuta |
Em outubro, o Mês Internacional da História 'Gay' — curiosamente e para o desgosto de muitos cristãos “tradicionais” —, o cristianismo celebra a tradicional festa de São Sérgio e São Baco, dois santos retratados ao longo da longa história de sua veneração como amorosamente comprometidos um com o outro em uma profundidade inquestionável até o surgimento dessa categoria moderna de “homossexual” e a necessidade reacionária de negar que eram amantes por aqueles preocupados que a dupla há muito venerada pudesse se qualificar.
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Sts. Sérgio e Baco, ícone ortodoxo |
Tal como acontece com tanta suposta “história” de santos e mártires, temos pouca base para autenticar os detalhes das reivindicações históricas feitas na literatura devocional altamente estilizada e idealizada sobre esses dois. Como os outros mártires, muita coisa é posterior, sobrecarregada e inverificável. O que podemos dizer é que esse casal amoroso foi levado a sério o suficiente para ser reverenciado ao longo da história, bem como para ter santuários construídos para eles. O túmulo de Sérgio em Resafa, Síria, tornou-se um famoso santuário; por causa disso, a cidade recebeu o novo nome de Sergiópolis por volta do ano 425. No ano de 431, o bispo Alexandre de Hierápolis construiu uma magnífica igreja em sua homenagem. Em 434, a cidade de Sergiópolis foi elevada à categoria de sede episcopal. Mais tarde, o imperador Justiniano I a ampliou e fortificou e Sergiópolis se tornou um dos locais de peregrinação mais populares do Oriente.
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Basílica de São Sérgio, Rasafa (antiga Sergiópolis), Síria |
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Pequena Santa Sofia (Igreja dos Santos Sérgio e Baco), Istambul, Turquia |
Em busca de Sérgio e Baco
Seus “Atos” foram recontados ao longo da história e preservados em latim, grego e siríaco. Embora se diga que eles foram martirizados no século IV, o texto grego conhecido como A Paixão de Sérgio e Baco é provavelmente de um século depois. [N/T: "Paixão", aqui, obviamente não se refere ao amor entre eles, mas ao martírio que sofreram, assim como também falamos da "Paixão de Cristo"]
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Sts. Sérgio e Baco por Plamen Petrov, Igreja de Santa Marta, Morton Grove, EUA |
O texto é repleto de material estilizado e padronizado, não muito diferente daquele encontrado na infinidade de lendas de mártires cristãos, mas os detalhes dos dias de suas torturas e mortes enfatizam não apenas sua fé religiosa, mas a intimidade de seu relacionamento. Porque eles se recusaram a adorar os deuses romanos e exaltaram o Cristo do cristianismo, eles foram primeiro humilhados ao serem exibidos na jornada para a morte final em roupas femininas. Então eles foram separados e torturados com Baco sendo assassinado primeiro.
Esse texto fundamental diz que enquanto Sérgio esperava em sua cela na noite seguinte à morte de Baco, o espírito de Baco apareceu para ele, dizendo a Sérgio para não desanimar, pois não apenas as alegrias do céu eram maiores do que qualquer sofrimento que ele suportaria, mas que sua recompensa seria se reunir com Baco no céu.
Observe como a essência da mensagem que Baco traz é enquadrada no texto que foi transmitido ao longo da história em termos de perda um do outro:
Por que você sofre e chora, irmão? Se eu fui tirado de você em corpo, ainda estou com você no vínculo da união, cantando e recitando: “Eu seguirei o caminho dos teus mandamentos, quando tu aumentares o meu coração”. Apresse-se então, irmão, através da bela e perfeita confissão para perseguir e obter a mim, ao terminar o curso. Pois a coroa da justiça para mim está com você. (tradução para o inglês de John Boswell, tradução para o português do dono deste blog)
Sérgio e Baco por uma lente moderna
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Ícone de Sérgio e Baco por Robert Lenz (1994) |
Boswell sabia que estava lutando contra as tradições andro-homofóbicas arraigadas estabelecidas. Assim, todos os seus escritos são dominados por cuidadosas discussões históricas metodológicas, extensas notas de rodapé (quase metade de cada livro), apêndices, documentos originais e traduções como evidência dos estudos medievais que ele revirou.
A resposta ao seu trabalho foi tanto elogios quanto críticas conservadoras esperadas e previsíveis. Mas apesar de tudo, Sérgio e Baco permaneceram como ícones de um relacionamento íntimo entre pessoas do mesmo sexo que a andro-homofobia só tentou apagar no último quarto de século.
Reconhecemos que os historiadores não podem conhecer com certeza a história real desse casal, descrito no material mais antigo que temos sobre eles como erastai (“amantes” em grego antigo, derivado da palavra eros, "desejo, amor apaixonado"). Mas o que sabemos é que sua santidade foi celebrada ao longo da história como um modelo de amor masculino um pelo outro sem medo do que isso significava sobre a natureza íntima, romântica ou sexual de seu relacionamento.
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Santo Amor (Holy Love) — Sérgio e Baco como patronos do amor por William Nino Neuta |
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Sts. Sérgio e Baco, ícone ortodoxo |
O medo de tais idéias é tanto que significa que alguns têm que rejeitar até mesmo a possibilidade de tal amor? Ou os rejeitadores ainda são produtos de uma cultura heteronormativa moderna onde um soldado pode receber uma medalha por matar outro homem, mas ser morto por amar um?
Via Whosoever.
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