Aviso aos nossos inimigos:

"Pereçam miseravelmente aqueles que pensam que estes homens fizeram ou sofreram algo vergonhoso." (Filipe II da Macedônia sobre o Batalhão Sagrado de Tebas, o Exército de Amantes)

21 junho 2019

Androfilia Zodiacal: Câncer

Homossexualidade, Astrologia, Zodíaco, Mitologia, Câncer
Câncer no Espelho de Urânia, de Sidney Hall (1825)
 Este é o post especial sobre a androfilia do signo de Câncer, o quarto na ordem dos signos do Zodíaco (as datas de início e fim de cada signo são as do período 2019-2020, pois as datas podem variar levemente a cada ano). Um alerta: aqui não tratarei dos aspectos astrológicos dos signos; quem quiser saber como cada signo é no amor, no sexo, no beijo, etc, o que não faltam são milhares e milhares de sites (literalmente) sobre o assunto. Então eu só faria chover no molhado (além de que eu não sou astrólogo).

Câncer
(21/06 a 23/07)

Câncer, o Caranguejo, mas também às vezes representado por uma Lagosta, é a quarta constelação do Zodíaco. Seu regente é a Lua, um dos principais astros que dominam as mitologias de todo o mundo ao lado do Sol e é um dos temas mais recorrentes em todas as culturas. Na Antiguidade, a Lua tinha fortes relações com a masculinidade e com o homoerotismo masculino (e, embora eu não vá falar a respeito, também com o homoerotismo feminino, com a androginia e com a troca de sexos).

História & Mitologia
Em registros egípcios de cerca de 2.000 AEC, a constelação de Câncer era descrita como Escaravelho, o emblema sagrado da imortalidade. Em Babilônia ela era conhecida como MUL.AL.LUL, um nome que pode se referir tanto a um caranguejo quanto a uma tartaruga. Também parece haver uma forte conexão entre a constelação babilônica e a ideia de morte e uma passagem para o mundo inferior, que pode ser a origem dessas ideias nos mitos gregos posteriores associados com Hércules e a Hidra.

Homossexualidade na Grécia Antiga - Hércules e Iolaus matando a Hidra de Lerna, de J. M. Félix Magdalena
Hércules e Iolaus matando a Hidra de Lerna,
de J. M. Félix Magdalena.
Note a lagosta ao pé de Hércules
De acordo com uma antiga lenda grega, a figura de um caranguejo gigante foi colocada no céu noturno pela deusa Hera, formando a constelação de Câncer. Hera jurou matar Hércules (Héracles), o mais famoso dos heróis. Ela tentou matá-lo de diferentes formas, mas a cada vez sua incrível força física e sua inteligência permitiram-lhe sobreviver. Hera lançou um feitiço de loucura em Hércules, levando-o a cometer um grande crime: matar sua própria esposa e seus próprios filhos. Para ser perdoado, ele teve que realizar doze tarefas sobre-humanas; a segunda dessas tarefas era destruir a terrível serpente aquática de nove cabeças, a Hidra de Lerna.

Durante a batalha entre Hércules e a Hidra, a deusa Hera enviou um caranguejo gigante chamado Cárcino (Karkinos em grego e Carcinus em latim) para ajudar a serpente. Mas Hércules, sendo tão forte, matou o caranguejo esmagando sua carapaça com o pé. Como recompensa pelo seu serviço, Hera colocou a imagem do caranguejo no céu da noite.

A batalha contra a Hidra de Lerna foi o único dos Doze Trabalhos de Hércules em que o grande herói contou com a ajuda do seu sobrinho e amante Iolaus, na época dom 16 anos (idade em que iniciou sua relação homoerótica com o tio, e a sua primeira missão como seu parceiro foi ajudá-lo no segundo Trabalho), pois ele foi posteriormente impedido de ajudá-lo em suas tarefas expiatórias, embora o tenha acompanhado em outros Trabalhos e inúmeras outras aventuras. Muitas obras sobre essa estória costumam representar Iolaus como um homem crescido, mas sabe-se que ele era um efebo, um rapaz adolescente a partir dos 16 anos de idade, período em que a relação entre o amado mais jovem e seu amante mais velho poderiam inciar a fase sexual de seu relacionamento, segundo as leis do período clássico (ou seja, muito posterior à era dos heróis de Hércules) da Grécia antiga.
Homossexualidade na Grécia Antiga - Hércules e Iolaus matando a Hidra de Lerna, de Hans Sebald Beham
Hércules e Iolaus matando a Hidra de Lerna, de Hans Sebald Beham (1545).
Note a lagosta ao pé de Hércules
A Lua
Como já mencionado mais acima, a Lua é o astro regente do signo de Câncer, segundo a Astrologia.

Máni, deus da Lua, e Sól, deusa do Sol, da mitologia nórdica. Arte de Lorenz Frølich
Máni, deus da Lua, e Sól, deusa do Sol, da mitologia
nórdica. Arte de Lorenz Frølich (1895)
Apesar de hoje em dia comumente associarmos a Lua ao feminino e a virmos como uma deusa e não como um deus, a religião proto-indo-europeia (que deu origem às religiões hindu, persa, hitita, grega, romana, celta, germânica, nórdica, etc.) identifica a Lua como o deus *Meh1not (a escrita é assim mesmo), irmão gêmeo da deusa do Sol *Seh2ul. Nas religiões indo-europeias, as divindades do Sol e da Lua costumam ser irmãos gêmeos e de sexos opostos. Em culturas do antigo Oriente Médio não diretamente relacionadas aos indo-europeus, a Lua também é do sexo masculino. Alá (Allah, "Deus" em árabe), o deus único do islamismo, pode ter sido o deus da Lua na politeísta Arábia pré-islâmica chamado Ailiah, possivelmente o deus criador e/ou o deus supremo do panteão; reminiscências de Alá como deus lunar podem ser encontradas no símbolo do islamismo, a lua crescente junto à "estrela" Vênus, presente na maioria das bandeiras dos países islâmicos, um símbolo comum na região há milhares de anos.

Homossexualidade na Grécia Antiga - Endímion dorme sobre o corpo de Hipnos, que protege a nudez de seu amado com a chegada da estupradora da deusa-lua Selene
Sarcófago romano (séc. 2 EC): Endímion dorme sobre o corpo de Hipnos, que protege a nudez de seu amado com a chegada da estupradora da deusa-lua Selene
Na Grécia, a Lua era associada às deusas Selene, Ártemis e Hécate. Enquanto Ártemis e Hécates têm conexões com a Lua, a deusa-titã Selene é a própria personificação da Lua, e ela se envolveu em duas histórias de amor entre homens: ela amou o lindíssimo pastor Endímion, filho de Zeus, que recebeu do pai a graça de dormir para sempre e assim preservar a sua juventude e beleza, com quem ela teve cinquenta filhas (sim, ele foi continuamente estuprado enquanto dormia [mas disso ninguém fala, só falam das mulheres estupradas na mitologia grega]), disputando o seu amor com Hipnos, o deus do sono que concedeu o sono eterno a Endímion e também a capacidade de dormir de olhos abertos, para que Hipnos pudesse admirá-los sempre que fosse visitá-lo; ela também causou a morte do lindíssimo sátiro Âmpelo, que era amado pelo deus Dioniso, pois Âmpelo zombou dela por se dizer melhor condutor de touros do que a deusa, já que a carruagem dela era puxada por um par de touros. Futuramente farei artigos especiais sobre esses amores masculinos.

Homossexualidade na Grécia Antiga - Endímion está entre Selene (que vem estuprá-lo) e Hipnos
Em outro sarcófago romano (+/- 180 — 220 EC), Endímion está entre Selene (que acaba de chegar) e Hipnos (que derrama a poção do sono sobre ele). 
Em Roma, a Lua era personificada como Luna, equivalente na Grécia a Selene e irmã gêmea de Sol, deus do astro homônimo. Mas o imperador Caracalla, que reinou de 198 a 217, venerava Luno (Lunus), identificado com Men, deus lunar adorado em regiões do oeste da Anatólia (atual Turquia). Nesses locais, diz-se, quem quer que acredite que a deidade da Lua seja feminina estará sempre sujeito às mulheres, enquanto que o homem que acredita que a deidade lunar é masculina dominará sua esposa e as mulheres em geral. Há estudiosos que afirmem que o deus Luno adorado por Caracalla seja na verdade Sin (também chamado de Nanna), deus da Lua na Mesopotâmia; ele era o deus supremo, "pai dos deuses" e "criador de todas as coisas", quando a cidade de Ur dominava o vale do rio Eufrates (entre 2.600 e 2.400 AEC).

Homossexualidade na Mitologia Filipina - Sidapa e Bulan, de Anne Cielo Agocoy
Sidapa e Bulan, de Anne Cielo Agocoy
Nas Filipinas, o deus da Lua é um jovem rapaz de nome Bulan ou Libulan (ambos os nomes significam "Lua"). Segundo uma moderna interpretação do mito (pois ele não consta em referências históricas), ele despertou o amor em vários outros deuses dos dois sexos: Sidapa, o robusto e lindo deus da morte; Macanduc, o deus da guerra; Magindang, o musculoso deus do mar; Luyong Baybay, a deusa do mar; e Bakunawa, uma bela e vingativa deusa. Essa é uma linda história de amor recheada de combates ferozes e muita aventura, com um final que vocês conhecerão quando eu publicar um artigo próprio sobre Sidapa e Bulan/Libulan aqui no blog.

No Egito, diz-se que o disco lunar usado pelo deus Toth surgiu do sêmen de Hórus engolido por Set numa disputa sexual para decidir quem era o mais macho e, assim, governar o país dos faraós. Essa história você também já viu aqui no blog.

Homossexualidade na Mitologia Hindu - Varuna
Varuna (desconheço o artista)
Mitra e Varuna (sânscrito: mitrā́váruṇā) são duas divindades frequentemente mencionadas nas antigas escrituras indianas do Rigveda. Mitra (de *mitrás, "amigo, companheiro") é o deus da amizade, dos juramentos e do sol da manhã, e Varuna (de vṛṣ, "chover" ou vṛ, "cobrir") é o deus da água, do oceano, da chuva e do anoitecer. Ambos são considerados Ādityas, ou divindades ligadas ao Sol; e eles são protetores da ordem justa de rta (a ordem natural do Universo). Sua conexão é tão próxima que eles são frequentemente ligados no composto Mitra-Varuna. Alguns homens que amam homens hindus adoram os deuses Mitra e Varuna, pois antigos textos brâmanes associam-nos com as duas meias-luas (a crescente é Varuna e a minguante é Mitra) e quando eles se encontram nas noites de Lua cheia e de Lua nova eles fazem sexo para renovar suas energias e manter o ciclo lunar. Dessa forma, além de sua associação com o Sol, essa associação com a Lua também é uma forma de eles trabalharem para manter a ordem cósmica.

Mitra-Varuna são concebidos como jovens, usam roupas brilhantes, são monarcas e guardiões de todo o mundo e seu palácio é dourado, com mil pilares e mil portas (para que sejam totalmente acessíveis aos homens). Eles sustentam o céu e a terra, e o ar entre o céu e a terra. Eles são senhores de rios e mares, e eles enviam chuva e refrigério do céu. O Bhagavata Purana lista Varuna e Mitra como tendo filhos através de ayoni ou sexo não vaginal, misturando o sêmen dos dois. Ainda há muito mais informação sobre esse casal incrível, mas que só poderei contar em um artigo especial sobre eles.

Homossexualidade na Grécia Antiga - Hércules e Iolaus combatendo a Hidra de Lerna
Cerâmicas gregas representando Hércules e Iolaus combatendo a Hidra de Lerna.
Note o caranguejo aos pés de Hércules.
Ufa! Quando eu comecei essa pesquisa não imaginava que descobriria tanta coisa relacionada a androfilia masculina em mitos do signo de Câncer e da Lua, seu regente, ao redor do planeta — e isto aqui é só um aperitivo para vocês. A minha intenção é trazer todos esses mitos citados acima e que ainda não tiveram artigos próprios aqui no blog.

Homossexualidade na Grécia Antiga - Câncer - Jovens atenienses se preparando para a guerra
Jovens atenienses se preparando para a guerra. No escudo do rapaz ao centro, a imagem de um caranguejo tocando o aulos, a flauta dupla tocada para soldados em marcha (Cratera de Eufrônios, ca. 515 AEC)
Espero que vocês tenham gostado de mais esse artigo sobre Androfilia Zodiacal. Compartilhem nas redes sociais, mostrem para outras pessoas, espalhem a beleza e importância do Amor Masculino no mundo historicamente apagado e combatido para que sentíssemos vergonha de quem nós somos e medo de enfrentar os homofóbicos.

Até o próximo mês, com o signo de Leão! ❤

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