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"Pereçam miseravelmente aqueles que pensam que estes homens fizeram ou sofreram algo vergonhoso." (Filipe II da Macedônia sobre o Batalhão Sagrado de Tebas, o Exército de Amantes)

09 março 2023

Desejo masculino entre os astecas e na sua mitologia

El Tlatoani y el Guerrero, Felix d'Eon, Mi Corazon Mexica, Gay México
El Tlatoani y el Guerrero, de Felix d'Eon
 Como a sociedade guerreira dos astecas, uma das mais desenvolvidas da América pré-cristã, via o desejo, o sexo e o amor entre homens em sua cultura e em sua mitologia?

Xochipilli, de Felix d'Eon, Mi Corazon Mexica, Deus Gay México
Xochipilli, de Felix d'Eon
A maioria das informações sobre os povos pré-colombianos vem dos relatos da conquista espanhola. Esses relatos devem ser tomados com cautela, visto que a acusação de sodomia foi usada para justificar a conquista, junto com outras acusações reais ou inventadas, como sacrifício humano, canibalismo ou idolatria. Dado que os defensores dos nativos manipulavam as informações a seu favor tanto quanto aqueles que se opunham a eles, alguns tentando minimizar a incidência da sodomia e outros exagerando as histórias, torna-se impossível obter uma imagem adequada da homoeroticidade masculina no México pré-colombiano. O historiador Antonio de Herrera chegou a essa conclusão já em 1601.

Antes de prosseguir, eu gostaria de dar uma explicação sobre o nome "asteca". O nome "asteca" (espanhol azteca) foi cunhado pelo cientista alemão (e andrófilo) Alexander von Humboldt (1769 – 1859), que combinou Aztlán ("lugar da garça"), sua pátria mítica, e tec(atl) "povo de". O termo "asteca" às vezes hoje se refere exclusivamente ao povo mexica de Tenochtitlan (atual Cidade do México), excluindo os mexicas da vizinha Tlatelolco, mas é mais frequentemente usado de forma muito ampla para se referir não apenas a todos os mexicas, mas também aos povos de língua náuatle do Vale do México e regiões vizinhas.

História

Segundo os relatos, os mexicas ou astecas seriam extremamente intolerantes com a homossexualidade tanto masculina como feminina, embora alguns de seus rituais públicos tivessem conotações homoeróticas. Assim, por exemplo, cultuavam a deusa Xochiquétzal, cuja contraparte masculina, com o nome de Xochipilli, protegia a prostituição masculina e a atividade homossexual entre homens em geral. A história mítica do povo asteca foi dividida em quatro "mundos", dos quais o anterior ao deles, a "Era das Flores de Xochiquétzal", havia sido "uma vida fácil, fraca, de sodomia, perversão, da dança das flores e de adoração a Xochiquétzal", em que as "virtudes viris de guerra, administração e sabedoria" foram esquecidas. É possível que esta história faça referência aos toltecas. O autor Richard Texler, em seu livro Sex and the Conquest ("Sexo e a Conquista"), afirmou que os astecas convertiam alguns dos inimigos conquistados em escravos sexuais, seguindo a metáfora de que a penetração é um sinal de poder.

Illustration of two Aztec homosexual men talking, with a flower between them, Florentine Codex, Gay México
Ilustração de dois homens homossexuais astecas conversando, com uma flor entre eles
(o que parecem pênis apontando para as bocas deles na verdade é um sinal gráfico asteca indicando que eles estão falando)
A lei mexica punia a sodomia (penetração anal) entre homens com a forca, empalamento para o penetrador e extração das entranhas pelo orifício anal para o penetrado, e morte por garrote para as mulheres que faziam sexo com mulheres.

Alguns autores afirmam que essas leis estritas não eram usadas na prática e que o amor e o sexo entre pessoas do mesmo sexo eram relativamente livres. Por exemplo, citam crônicas espanholas que falam de sodomia generalizada que incluía crianças de até 6 anos ou de crianças vestidas de mulher para praticar a prostituição. As crônicas também falam de atos religiosos em que a sodomia era praticada. (De novo, lembremos que tudo isso, seja com um viés negativo ou com um viés positivo, pode ter sido usado como propaganda e não como fatos reais nas guerras da conquista espanhola.)

Los Principes Mexicas, Felix d'Eon, Mi Corazon Mexica, Gay México
Los Principes Mexicas, de Felix d'Eon
A existência do amor feminino é atestada pela palavra náuatle "patlacheh", que designa uma mulher que exerce atividades masculinas, incluindo a penetração de outras mulheres, conforme revelado na História Geral dos Assuntos da Nova Espanha por Bernardino de Sahagún no século XVI.

Deve-se notar que muitos códices escritos pelos mexicas sobre este assunto foram adulterados e/ou destruídos pelos espanhóis.

Apesar do puritanismo dos mexicas, os costumes sexuais dos povos conquistados pelo Império Asteca variavam muito. Por exemplo, o conquistador do século XVI Bernal Díaz del Castillo fala de homossexualidade entre as classes dominantes, prostituição de jovens e travestismo na área de Veracruz. Os yauyos tinham casas de prostituição cheias de homens com rostos pintados e roupas femininas.

Já os toltecas, que os mexicas conquistaram em torno do ano 1000, eram extremamente tolerantes com a homossexualidade. Extremamente tolerantes ao sexo, até mesmo os maias, que celebravam o amor masculino, ficavam chocados com as exibições públicas de sexo e erotismo dos toltecas.

Mitologia

Tezcatlipoca e Yaotl

Como era de se esperar de uma cultura que supostamente era intolerante à sexualidade entre pessoas do mesmo gênero, poucos são os relatos mitológicos do povo mexica/asteca sobre isso. Um nome que se destaca é o do grande deus Tezcatlipoca, uma divindade central na religião asteca. Ele é associado a muitos conceitos diferentes, como céu noturno, furacões, jaguar, obsidiana, beleza, poder e conflito. Ele é considerado um dos quatro filhos de Ometecuhtli e Omecihuatl, a divindade dual primordial. Seu principal festival era o Toxcatl, que envolvia sacrifícios humanos.

Tezcatlipoca, Tepeyollotl, Deus Jaguar, Jaguar God
Tezcatlipoca retratado no Códice Rios
no aspecto de um Jaguar
Tezcatlipoca e outro deus masculino, Yaotl ("Guerreiro" ou "Inimigo", que pode ser interpretado também como uma faceta do próprio Tezcatlipoca), uma vez se transformaram em mulheres para copular com Huemac, o último rei lendário do Império Tolteca antes da queda de sua capital, Tula/Tollan, no século XII. O Códice Chimalpopoca conta que o Quetzalcoatl Huemac ("Quetzalcoatl", além de nome de um deus, era o título dos soberanos toltecas) estuprou um grupo de sacerdotisas que caçoou dele, e, para puni-lo, Tezcatlipoca e Yaotl se transformaram em mulheres e fizeram sexo com ele, tomando a força dele no processo, tornando-o incapaz de continuar como Quetzalcoatl do império.

Ainda que isso seja um caso de travestismo mágico, ainda são dois deuses masculinos dispostos a fazer sexo com alguém do mesmo sexo, mesmo que isso significasse trocar temporariamente de sexo para realizar a copulação mágica já que penetração anal seria um ultraje para eles.

Xochipilli

Xochiquétzal, a "Preciosa Flor Emplumada", como muitos outros deuses/deusas astecas, tem um aspecto dual masculino/feminino e era conhecida como Xochipilli no aspecto masculino e, como tal, era adorado como o deus da homossexualidade e da prostituição masculinas.

Xochiquetzal Xochipilli, Deus Gay México
Xochiquetzal (esq.) e Xochipilli. Códice Fejérváry-Mayer
Originalmente Xochiquétzal deu à luz toda a humanidade, mas depois de ser estuprada pelo deus da guerra Tezcatlipoca ela se tornou a deusa da sexualidade não-procriativa, que em seus aspectos positivos incluía relacionamentos amorosos e criatividade artística, e, em sua luxúria negativa, estupro e inflição de doenças venéreas e hemorróidas.

Xochipilli, Deus Gay México
Xochipilli, deus asteca do amor masculino
Xochipilli é o deus do amor masculino, arte, jogos, dança, flores e música na mitologia asteca. Seu nome contém as palavras náuatle xōchitl ("flor") e pilli (ou "príncipe" ou "criança") e, portanto, significa "Príncipe das Flores".

Como patrono da escrita e da pintura, ele era chamado de Chicomexochitl, o "Sete Flores", mas também poderia ser referido como Macuilxochitl, "Cinco Flores". Ele era o patrono do jogo patolli. Ele é frequentemente emparelhado com Xochiquétzal, que é vista como sua contraparte feminina. Xochipilli também foi interpretado como o patrono da homossexualidade e da prostituição masculinas, um papel possivelmente resultante de ele ser absorvido da civilização tolteca pelos mexicas.

Ele, entre outros deuses, é retratado usando um talismã conhecido como oyohualli, que era um pingente em forma de lágrima feito de madrepérola.

Estátua de Xochipilli

Xochipilli, Deus Gay México
Xochipilli
Em meados do século XIX, uma estátua asteca de Xochipilli do século XVI foi desenterrada ao lado do vulcão Popocatépetl perto de Tlalmanalco. A estátua é uma figura sentada sobre uma base semelhante a um templo, cabeça inclinada para cima, olhos abertos, mandíbula tensa, com a boca entreaberta e os braços abertos para o céu, em êxtase. Tanto a estátua quanto a base estão cobertas de entalhes de plantas sagradas e psicoativas, incluindo cogumelos (Psilocybe aztecorum), tabaco (Nicotiana tabacum), ololiúqui (Turbina corymbosa), sinicuichi (Heimia salicifolia), possivelmente cacahuaxochitl (Quararibea funebris) e uma flor não identificada — elas são temicxoch, ou "flores de sonho", como dizem os náuatle ao se referir a essas plantas alucinógenas.

A arqueóloga mexicana Laurette Séjourné (1914 – 2003) escreveu: "Os textos sempre usam a flor em um sentido inteiramente espiritual, e o objetivo dos colégios religiosos era fazer com que a flor do corpo desabrochasse: Esta flor não pode ser outra senão a alma. A associação do flor com o sol também é evidente. Um dos hieróglifos para o sol é uma flor de quatro pétalas, e as festas do nono mês, dedicadas a Huitzilopochtliupo [deus do sol e da guerra], eram inteiramente dedicadas a oferendas de flores."

A estátua está atualmente alojada no salão asteca do Museu Nacional de Antropologia na Cidade do México.

Xochipilli, Joaquim Sicart, Deus Gay Mexica
Xochipilli, de Joaquim Sicart

Fontes:


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