Aviso aos nossos inimigos:

"Pereçam miseravelmente aqueles que pensam que estes homens fizeram ou sofreram algo vergonhoso." (Filipe II da Macedônia sobre o Batalhão Sagrado de Tebas, o Exército de Amantes)

08 novembro 2017

Ergi, o tabu no sexo entre homens vikings

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Ergi
(substantivo) ou argr (adjetivo) são dois termos nórdicos antigos de insulto, denotando efeminação ou outro comportamento não masculino. Argr (também ragr) é "não-masculino" e ergi é "não-masculinidade"; os termos têm cognatos em outras línguas germânicas, como earh, earg, arag, arug e assim por diante.

Ergi na Era Viking
Acusar outro homem de ser argr era um tipo de repreensão e, portanto, uma razão legal para desafiar o acusador em holmgang (um tipo de duelo entre os nórdicos antigos). Se holmgang fosse recusado pelo acusado, ele poderia ser banido (tornar-se um fora-da-lei), pois essa recusa provaria que o acusador estava certo e o acusado era argr. Se o acusado lutasse com sucesso no holmgang e assim tivesse provado que não era argr, a repreensão era considerada o que em inglês antigo se chamava eacan, uma difamação severa e injustificada, e o acusador tinha que pagar à parte ofendida uma indenização integral. As Leis do Ganso Cinzento declaram:

Há três palavras — se as trocas entre as pessoas chegarem a limites tão terríveis — que têm como penalidade a proscrição total; se um homem chama outro de ragr, stroðinn ou sorðinn. Como elas devem ser processadas ​​como outros fullréttisorð (ofensas verbais que devem ser pagas com indenização) e, além disso, um homem tem o direito de matar em retaliação por essas três palavras. Ele tem o direito de matar em retaliação por causa delas no mesmo período em que tem o direito de matar por causa de mulheres, em ambos os casos até a próxima Assembléia Geral. O homem que pronuncia essas palavras cai com imunidade perdida nas mãos de quem acompanha o homem sobre quem foram pronunciadas até o local de seu encontro.

Homossexualidade na Idade Média - Vikings - Gay Vikings - Walhalla (1905), de Emil Doepler
Walhalla (1905), de Emil Doepler (Odin com os einherjar)
A prática de seiðr ou "feitiçaria" era considerada ergi na Era Viking, e em registros islandeses e leis escandinavas medievais o termo argr tinha conotações de um papel receptivo e passivo de um homem nascido livre durante a relação sexual com outro homem. Não há registros escritos de como o povo do norte pensava sobre amor e sexo entre iguais antes dessa conversão. O sociólogo David F. Greenberg destaca:

a princípio... a estigmatização não se estendia à homossexualidade masculina ativa. Para se vingar do desleal sacerdote Bjorn e sua amante Thorunnr na Saga Gudmundar "foi decidido colocar Thorunnr na cama com todos os bufões (bobos da corte), e fazer isso com Bjorn, o sacerdote, o que não era considerado menos desonroso". Desonroso para Bjorn, não para seus estupradores. No Edda (coletânea de mitologia nórdica do séc. XIII encontradas na Islândia), Sinfjotli (meio-irmão do grande herói Sigurd ou Siegfried) insulta Gudmundr afirmando que "todos os einherjar (guerreiros de Odin no Valhalla) lutaram entre si para conquistar o amor de Gudmundr (que era homem)". Certamente ele não pretendia caluniar a honra dos einherjar. Então Sinfjotli se gaba de que "Gundmundr estava grávido de nove filhotes de lobo e que ele, Sinfjotli, era o pai". Se o papel homossexual masculino ativo tivesse sido estigmatizado, Sinfjotli dificilmente teria se gabado disso.

Homossexualidade na Idade Média - Vikings - Gay Vikings - Pedra rúnica de Saleby - Ergi
Pedra rúnica de Saleby
Pedra rúnica de Saleby
Embora nenhuma inscrição rúnica use o termo ergi, a pedra rúnica Vg 67 em Saleby, na Suécia, inclui uma maldição de que qualquer um que quebrasse a pedra se tornaria um rata, traduzido como "desgraçado", "pária" ou "feiticeiro", e argri konu, que é traduzido como "mulher maléfica". Aqui argri parece estar relacionado à prática de seiðr e representa o termo mais repugnante que o mestre das runas poderia imaginar chamar alguém.

Uso moderno
Nas línguas escandinavas modernas, a raiz lexical arg- assumiu o significado de "raiva", como em sueco e em norueguês arg, ou dinamarquês arrig. O islandês moderno tem a derivação ergilegur, que significa "parecer irritável", semelhante ao norueguês ergre, que significa "irritar". (Há semelhanças com o alemão ärgerlich, "irritante, irritado", e o holandês ergerlijk, "irritante" e ergeren, "irritar".) Em feroês moderno, o adjetivo argur significa "irritado" e o verbo arga significa " insultar" ou "intimidar". No holandês moderno, a palavra erg tornou-se um fortificante equivalente ao inglês very ("muito"); o mesmo é verdade para o antiquado adjetivo arg em alemão, que significa "mau" (especialmente em compostos como arglistig, "malicioso", e arglos, "não suspeitoso"), mas tornou-se um fortificante no alemão austríaco. O significado da palavra em nórdico antigo foi preservado em empréstimos para línguas finlandesas vizinhas: estoniano arg e finlandês arka, ambos significando "covarde".

Golpe de vergonha
O golpe de vergonha (nórdico antigo: klámhogg) é o ato de cortar ou esfaquear as nádegas de um homem. A lesão representa simbolicamente o estupro anal de um homem. Como tal, a lesão é projetada não apenas para ser debilitante, mas também sexualmente humilhante através da feminização simbólica da vítima (geralmente um inimigo vencido), transformando-o em um ergi. A lesão era considerada um ferimento mortal, assim como tal era classificada junto com lesão cerebral, lesão medular e outros ferimentos fatais. Era considerado simbólico da perda de poder na sociedade nórdica, onde poder e status eram importantes, bem como um significante externo do poder físico e social que o dominador exercia sobre o dominado.

O termo é de origem nórdica, e equiparado à castração como "emasculação" da vítima, e classificado com ferimentos que causam grandes penetrações do corpo, sugerindo fortemente que o termo se refere a estupro ou penetração anal forçada. Era considerado um termo legal, com a vergonha vinculada associada à vergonha de ragr. A "emasculação" também muitas vezes vinha com um apelido insultante indicando degradação de status e, uma vez que o apelido pegasse, garantia que a vergonha não fosse esquecida.


Fontes: Ergi e Shame-stroke

Homossexualidade na Idade Média - Vikings - Gay Vikings - Viking Sword

Como puderam ver, apesar da parca menção a amor e sexo entre iguais nos mitos e na história nórdica, ao menos é sabido que o que eles abominavam não era a homossexualidade em si, mas um homem livre (isto é, que não fosse escravo) se tornar o passivo numa relação sexual com outro homem (por vontade própria ou à força, não importa). Isso faz lembrar as leis da Grécia Antiga a respeito da prática da pederastia, onde nas relações masculinas entre amante (erastes) e amado (erômenos) não era permitido haver penetração anal durante o ato sexual, porque era inadmissível um homem livre se submeter como passivo a outro homem, embora formas de sexo sem penetração entre homens fosse permitido e até ensinado, como sexo intercrural (entre as coxas), frotagem e masturbação mútua. Ou seja, os antigos nos mostram que é perfeitamente possível, e até esperado, que um homem não precise abdicar de sua masculinidade para se deitar com outro homem.

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu estava bem preocupado com isso quando comesseia a pensar em entrar na tradição nordica, tudo paresce um pouco homofoco e racista! Mas não e nada disso penso! Dentro da tradição pelo contrario! Eu perguntei a deusa Freya havia algum problema em ser afeminado e homossexual e pelo que persebi e que Sr. Freya não ve problema algum.

Fábio Máximo disse...

Fernando, do pouquíssimo que sei das tradições pagãs nórdicas modernas, o pessoal é bem cabeça aberta para questões raciais, de gênero e de orientação sexual. Foi algo que descobri há pouco tempo e cheguei a me emocionar quando li uma declaração acho que da Asatru contra o racismo (veja algumas coisas sobre isso aqui: https://asatrueliberdade.com/2016/11/24/sem-lugar-para-racistas-no-valhalla/ e aqui: https://asatrueliberdade.com/2016/04/10/paganismo-nordico-e-o-racismo-brasileiro/

Infelizmente a gente associa muito as tradições nórdicas/germânicas à intolerância graças ao nazismo, mas felizmente estes não representam as verdadeiras tradições pagãs e neopagãs.

Um abraço e volte sempre!

Fábio Máximo disse...

Você também pode encontrar alguns artigos no mesmo site que mencionei acima sobre homossexualidade no (neo)paganismo nórdico: https://asatrueliberdade.com/tag/homossexualidade-2/

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