Aviso aos nossos inimigos:

"Pereçam miseravelmente aqueles que pensam que estes homens fizeram ou sofreram algo vergonhoso." (Filipe II da Macedônia sobre o Batalhão Sagrado de Tebas, o Exército de Amantes)

28 maio 2019

Hipólito, filho de Teseu: herói rejeitava mulheres, foi amado por um homem

Homossexualidade na Grécia Antiga - Joseph-Désiré Court: A Morte de Hipólito
Joseph-Désiré Court: A Morte de Hipólito (1825)
 Quando escrevi este artigo originalmente, eu ainda sofria da lavagem cerebral que ditava que as pessoas são separadas por rótulos de orientação sexual, e eu via o príncipe Hipólito, filho de Teseu, como um herói "assexual". Mas hoje tenho a mente mais aberta e, após algumas recentes descobertas, tenho uma compreensão melhor do mito de Hipólito e o seu lugar na mitologia do amor masculino.

A virtude de Hipólito
Na mitologia grega, o príncipe Hipólito (grego Hippolytos, "cavalo[s] solto[s]", uma referência à forma como ele morreu) era filho de Teseu e da amazona Antíope (em outra versão filho da irmã de Antíope, a rainha amazona Hipólita). Ele era identificado com o deus romano das florestas Vírbio (Virbius, do latim vir bis, "homem duas vezes", pois de vir vem o português "viril").

Homossexualidade na Grécia Antiga - Fedra acusando Hipólito para Teseu
Fedra acusando Hipólito para Teseu
(autor desconhecido, escola alemã, séc. 18)
A lenda mais comum a respeito de Hipólito atesta que ele foi morto depois de rejeitar os avanços de Fedra, sua madastra, a segunda esposa de Teseu. Segundo Ovídio, Fedra se ressentia por Teseu amar Pirítoo, o companheiro dele, mais do que ela, e preferir passar longos períodos longe de casa com o outro herói, e por isso ela tentou seduzir Hipólito. Sentindo-se desprezada tanto pelo marido quanto pelo enteado, Fedra enganou Teseu dizendo que seu filho a tinha estuprado. Teseu, furioso, usou um dos três desejos dados a ele por seu pai Poseidon para amaldiçoar Hipólito. Poseidon enviou um monstro marinho — ou, em outra versão, Dioniso enviou um touro selvagem — para aterrorizar os cavalos de Hipólito, que o derrubaram da carruagem e o arrastaram até a morte.

Suicídio de Fedra
A versão do antigo dramaturgo grego Eurípides mostra a ama de Fedra contando a Hipólito sobre o amor da rainha. Hipólito jurou que ele não revelaria que a ama fora a fonte da informação — mesmo depois de Fedra se matar e falsamente acusá-lo de estuprá-la num bilhete de suicídio, que Teseu leu.

Homossexualidade na Grécia Antiga - Hipólito sendo arrastado por seus cavalos aterrorizados por um monstro
Hipólito sendo arrastado por seus cavalos
aterrorizados por um monstro
Numa variação da lenda, atesta-se que Fedra simplesmente se matou de culpa pela morte de Hipólito e que a deusa Ártemis posteriormente contou a Teseu a verdade.

O lugar da tragédia algumas vezes é mencionado ter sido em Trezena, na Argólida (Peloponeso, Grécia), onde Teseu nasceu e onde Hipólito vivia e ergueu um templo em honra de Ártemis Liceia ("Ártemis dos Lobos") e onde um culto em torno do túmulo (e posteriormente um templo também) do príncipe se desenvolveu, em que as garotas trezenas tradicionalmente dedicavam uma mecha dos seus cabelos a ele antes do casamento, costume instituído pela própria Ártemis.

Homossexualidade na Grécia Antiga - Jean-Baptiste Lemoyne: A Morte de Hipólito
Jean-Baptiste Lemoyne: A Morte de Hipólito (1715)
Vingança de Afrodite
De acordo com algumas fontes, Hipólito rejeitou o culto a Afrodite que seu pai instituíra em Atenas como forma de manter o povo unido pelos laços do amor em razão de se tornar um devoto de Ártemis, deusa eternamente virgem, rejeitando a companhia de mulheres e dedicando-se à casta vida de um caçador. Em retaliação, Afrodite fez Fedra se apaixonar por ele. A rejeição de Fedra por Hipólito levou à sua morte ao cair da sua carruagem.

O amor o trouxe de volta
Homossexualidade na Grécia Antiga - Jovem Asclépio (romano Esculápio)
Jovem Asclépio (romano Esculápio),
período romano
Como resultado, um culto cresceu em torno de Hipólito, associado ao culto de Afrodite. Seus seguidores acreditavam que Ártemis, que o amava castamente, pediu a Asclépio, filho de Apolo e deus da medicina, para ressuscitar o rapaz por ele ter feito voto de castidade a ela. Segundo o teólogo cristão e estudioso da cultura clássica Clemente de Alexandria (c. 150 – c. 215 EC), ao trazer Hipólito de volta à vida Asclépio se apaixonou por ele (mas não é mencionado se Hipólito correspondeu a esse amor, mas sabemos que o voto de castidade dele era direcionado especificamente ao sexo feminino).

Na Clementina Homilia ("Homilia de Clemente"), V, 15, está escrito:

"... o próprio Zeus amou Ganimedes... e Asclépio amou Hipólito."

Em outra obra, Clemente é citado como tendo elencado uma quantidade de deuses e heróis que amaram o mesmo sexo, entre eles novamente lemos "Asclépio amou Hipólito".

Posteriormente, o culto de Hipólito foi associado também ao de Asclépio em Trezena e em Atenas.

Seguindo o exemplo de Orfeu
Homossexualidade na Grécia Antiga - Hipólito e Fedra
Hipólito e Fedra, afresco de Pompeia
Na peça Hipólito (428 AEC), Eurípides conta que o herói é um seguidor de Orfeu, isto é, da religião órfica, a qual prega uma vida de pureza, incluindo manter uma dieta vegetariana (e, na peça, Teseu menciona que o filho só come vegetais) e evitar intimidade sexual com mulheres — mas desconheço se o orfismo diz o mesmo sobre intimidade sexual com outros homens, mas, tomando o próprio Orfeu como modelo, que desprezou o amor das mulheres após a morte de sua esposa Eurídice e passou a se dedicar exclusivamente ao amor masculino, suponho que os órficos não deveriam ter restrições específicas quanto ao amor e sexo entre homens. Na peça, Hipólito é francamente misógino, chamando as mulheres de "enorme calamidade natural" e de moralmente fracas, seu desprezo a elas apenas cresce por desgosto aos avanços adúlteros de sua madrasta e diz que a única a quem respeita é a sua deusa protetora, Ártemis, desprezando abertamente Afrodite.

Homossexualidade na Grécia Antiga - Abel de Pujoi: Asclépio ressuscita Hipólito a pedido de Ártemis
Abel de Pujoi: Asclépio ressuscita
Hipólito a pedido de Ártemis
Hipólito fala na sua peça homônima:

"Há uma prática que eu nunca toquei", ele explica ao pai, "embora seja exatamente por isso que você me ataca: amor físico. Até agora eu nunca fui para a cama com uma mulher. Tudo o que sei sobre sexo é o que eu ouço, ou encontro em imagens."

O grifo é meu. Infelizmente Eurípides não era afeito ao amor masculino, pelo que se pode inferir de sua vida pessoal (teve duas esposas [não ao mesmo tempo, claro, pois isso não era permitido na Grécia antiga], mas não se sabe de nenhum homem que ele tenha amado) e suas peças se focam em tragédias ocorridas em relacionamentos de sexos opostos ("heterossexuais"), com protagonismo sobretudo feminino, e não me lembro de nenhuma menção a amor entre homens em suas obras.

Bom, voltemos à estória de Hipólito...

Hipólito na Itália
Pausânias relata uma história sobre Hipólito que difere da versão apresentada por Eurípides.

Hipólito foi ressuscitado por Asclépio; uma vez revivido, ele se recusou a perdoar Teseu (enquanto em Eurípides ele perdoa o pai) e foi para a Itália, tornando-se o rei dos aricianos e nomeou uma cidade em homenagem a Ártemis. Ele governou como Vírbio (Virbius, do latim vir bis, "homem duas vezes", já que Hipólito estava vivendo uma segunda vez) de dentro do santuário de Diana (deusa romana equivalente a Ártemis). O santuário proibia a entrada de cavalos, e é por isso que se acredita que ele viveu lá. A história de Hipólito é diferente de Eurípides porque o traz de volta dos mortos para viver sua vida na Itália, enquanto Eurípides o conecta permanentemente ao seu túmulo em Trezena, no Peloponeso, próximo a Epidauro, onde nasceu Asclépio e onde o deus da medicina era mais cultuado.

Homossexualidade na Grécia Antiga - Hipólito, filho de Teseu
Sarcófago com cenas do mito de Fedra e Hipólito (século 2 EC)

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