Assim como as mulheres que amam mulheres têm os termos "sáfica" e "lésbica", os homens que amam homens também deveriam ter seus termos específicos: um já é mais conhecido, "aquileu" (ou "aquileano"), e o outro eu proponho que seja "tebano".
A cidade de Tebas na Grécia antiga ocupa um lugar significativo nos relatos históricos, particularmente devido ao seu poderoso exército e costumes sociais únicos. Entre suas características notáveis estava o Batalhão Sagrado de Tebas, uma unidade militar de elite composta por 150 pares de amantes masculinos. Essa característica distintiva levou ao interesse moderno na potencial associação do gentílico "tebano" com a homossexualidade e homoafetividade masculina. Este relatório tem como objetivo investigar se esse termo foi historicamente usado como sinônimos para um homem homossexual/homoafetivo, baseando-se em relatos históricos, análise linguística e recursos lexicográficos modernos.
Antecedentes históricos
O Batalhão Sagrado de Tebas, florescendo no século IV AEC, foi uma força fundamental no exército tebano e desempenhou um papel crucial no fim da dominação espartana. Formada por volta de 378 AEC, essa unidade de 300 soldados escolhidos a dedo consistia em 150 casais masculinos, com cada par tipicamente compreendendo um "amante" mais velho (erastês) e um "amado" mais jovem (erômenos); apesar da nomenclatura usada também na pederastia ateniense e espartana, em que um homem adulto formava uma parceria romântica com um rapaz adolescente, os casais do Batalhão Sagrado de Tebas, por serem hoplitas (soldados) de elite, eram todos homens adultos no auge de seu poderio militar. A lógica por trás dessa composição era a crença de que os amantes lutariam de forma mais feroz e coesa um pelo outro. Liderado inicialmente por Górgidas e mais tarde ganhando fama sob Pelópidas, o Batalhão Sagrado alcançou vitórias notáveis, principalmente contra os espartanos em Tegira em 375 AEC e Leuctra em 371 AEC. Sua proeza tornou Tebas uma potência dominante na Grécia por um período. No entanto, o batalhão encontrou seu fim na Batalha de Queroneia em 338 AEC contra as forças de Filipe II da Macedônia e seu filho Alexandre, o Grande, onde lutaram até o último homem. A bravura do Batalhão Sagrado foi tão renomada que até mesmo seu conquistador, Filipe II, teria chorado ao ver seus corpos caídos.
Embora a existência e a importância do Batalhão Sagrado sejam geralmente aceitas pelos historiadores, algum debate persiste em relação à natureza e extensão precisas dos relacionamentos românticos dentro da unidade. No entanto, a forte associação de Tebas com uma unidade militar explicitamente composta por casais masculinos é um fator chave ao considerar a potencial evolução semântica de seu gentílico ("tebano").
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Cena de O Bando Sagrado (2019), de Breno Baptista |
Origem e uso moderno
Um exame da etimologia de "tebano" revela sua conexão primária com a antiga cidade de Tebas. "Tebano" é derivado do termo latino "Thēbānus", referindo-se a alguém ou algo de Tebas. Da mesma forma, o termo grego antigo "Θηβαῖος" (Thēbaios) também denota um habitante de Tebas. O termo, em sua origem, carece de qualquer ligação linguística direta com conceitos de atração pelo mesmo sexo. Isso sugere que qualquer potencial uso sinônimo provavelmente surgiria de associação cultural, e não de significado linguístico inerente.
A evolução histórica dos termos usados para descrever a homossexualidade é crucial para entender se "tebano" se encaixa em padrões mais amplos dessa terminologia. O próprio termo "homossexual", junto com "heterossexual", foi cunhado no final do século XIX. Antes desse período, existiam vários termos, frequentemente enraizados em condenações religiosas ou legais, como "sodomita", ou descritivos de práticas específicas, como "pederasta". Eufemismos e gírias também surgiram ao longo do tempo, como "gay" (que adquiriu seu significado moderno em meados do século XX, mas, já com conotação homossexual, antes se referia a prostituição e promiscuidade [meninos e rapazes que se prostituíam para homens eram chamados "gay boys"] e afeminação), "queer" (um termo ofensivo, um xingamento em língua inglesa similar aos nossos "bicha" e "viado" que até não-heterossexuais estão usando como identidade), e várias expressões codificadas. Notavelmente, o termo "lésbica" derivou de um lugar na Grécia associado a relacionamentos do mesmo sexo, especificamente entre mulheres (a ilha de Lesbos, lar da poetisa Safo, de quem também vem o termo "sáfica"). Esse precedente sugere que um gentílico como "tebano", assim como ocorreu com "aquileu/aquileano", poderia potencialmente seguir uma trajetória semelhante se a associação cultural fosse forte e sustentada o suficiente.
Apesar da forte conexão entre Tebas e relacionamentos homomasculinos através do Batalhão Sagrado, uma revisão dos materiais fornecidos até o momento não revela nenhuma instância explícita de "tebano" sendo usado como sinônimo direto de "homem homossexual/homoafetivo" em textos históricos ou artigos acadêmicos — com algumas raras excessões, como vocês poderão ver mais à frente. Embora o contexto de Tebas e do Batalhão Sagrado seja frequentemente discutido em relação à história da homossexualidade, o gentílico em si não parece ter sido adotado como um termo geral para homens homoafetivos — ainda.
No entanto, a forte associação histórica de Tebas com o Batalhão Sagrado, sem dúvida, levou a um uso alusivo e simbólico, particularmente em discussões modernas sobre a história e a cultura homomasculina. O Batalhão Sagrado serve como um poderoso exemplo histórico de amor entre homens entrelaçado com proeza militar e aceitação social, pelo menos dentro de um contexto específico na Grécia antiga. Esse simbolismo é evidente em referências modernas ao Batalhão Sagrado como uma "força de elite de amantes 'gays'" (tenho arrepios desagradáveis cada vez que usam esse termo, "gay", em contextos fora da moderna sociedade ocidental, e mesmo dentro desta, em muitos casos) e ao reconhecimento de Tebas como uma cidade que "estabeleceu um precedente para uniões masculinas". Embora "tebano" possa não ser um sinônimo direto, sua conexão com essa narrativa histórica permite que funcione como uma alusão à homossexualidade e homoafetividade masculina, tal qual "lésbica" à homossexualidade e homoafetividade feminina, especialmente em discussões focadas em perspectivas históricas.
Dicionários e enciclopédias modernos (em português, inglês, espanhol, etc.) definem principalmente "tebano" em relação à cidade de Tebas na Grécia ou no Egito e seus habitantes. Ainda não há indicação nesses recursos lexicográficos de que o termo seja listado como sinônimo de "homem homossexual/homoafetivo". Embora as entradas enciclopédicas detalhem a história do Batalhão Sagrado e reconheçam a natureza homossexual/homoafetiva dos relacionamentos dentro dela, elas não sugerem que o próprio gentílico tenha adquirido esse significado semântico mais amplo.
Alguns achados
Como falei mais acima, apesar de ainda pouco difundido, consegui encontrar algumas instâncias em que "tebano" é usado como alusão, ou mesmo como sinônimo, para homens que amam homens exclusivamente, isto é, para homens homoafetivos, enquanto o conjunto de homens homoafetivos e biafetivos é conhecido como aquileu/aquileano.
Apresento-os a seguir em ordem cronológica.
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Caledonian Thebans |
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Caledonian Thebans (de azul escuro) enfrentando outro time |
Mas a bissexualidade da cultura grega é um fato, e os "amores masculinos" sempre existiram, ou seja, não apenas o sexo, como é o caso do chamado "amor tebano", onde todos os soldados do exército se amavam uns aos outros para poderem lutar com mais eficácia.No livro The Greeks and Greek Love ("Os Gregos e o Amor Grego"), de 2007, o autor James Davidson usa a expressão "Theban Love" ("Amor Tebano") como sinônimo de "Amor Masculino", o amor entre homens, na página 435, que eu trago traduzido:
Um epigrama escrito no século seguinte para acompanhar uma dedicatória a Apolo em um santuário nos arredores de Tebas fornece um pouco mais de informação e é a fonte tebana mais antiga para o Amor Tebano. “Direcione a flecha de Eros a estes solteiros [eitheoi], para que, ousados no amor aos rapazes [philotati kouron], defendam sua pátria; pois [o dardo] incendeia a ousadia, e de todos os deuses ele [Eros] é o supremo em exaltar [aexein] os campeões da linha de frente [promachoi].”No site italiano Forum Progetto Gay, o administrador identificado como progettogayforum escreveu em 2009 "Il giudizio gi Raffalovich su Walt Whitman" ("O juízo de Raffalovich sobre Walt Whitman"), apontando os principais pontos de concordância de Marc-André Raffalovich (1864 – 1934), escritor inglês que combateu a então vigente ideia que homens homossexuais (que ele chamava unissexuais) eram homens com alma de mulher, sobre a poesia homomasculina de Walt Whitman, e traduzo aqui o seguinte trecho em que ele sintetiza que o amor masculino não é incompatível com famílias surgidas de relacionamentos heterossexuais:
Por que não celebrar as alegrias de um casamento saudável, de filhos bem-feitos e as devoções do amor atlético, o amor tebano da Grécia heróica?
Em 2013 o cantor e ator estadunidense de origem hispânica e ligações com o sudeste asiático Sebastian Castro lançou a música "Theban" ("Tebano"), em que ele associa os homens homoafetivos modernos aos membros do Batalhão Sagrado de Tebas. Logo no início ele identifica o "tebano" do título como um homem diferente daqueles que se apaixonam por mulheres, sendo o seu amor direcionado aos seus iguais. Para quem não entende inglês, aqui a tradução da letra (um pouco mal feita, mas dá para entender). O videoclipe da música, também lançado em 2013, você pode assistir a seguir:
Já em português, nas página 21 e 22 do documento "Memórias de Tio Barnabé ou SOS Brasília - Crônicas sobre uma cidade enquadrada" (2016), o autor (cujo nome não consegui identificar) usa a expressão "amor tebano" em um contexto militar brasileiro, e também invocando a expressão "amor socrático", um equivalente clássico do amor masculino em referência ao filósofo homoafetivo Sócrates, quando diz:
O STM [Superior Tribunal Militar] dedica-se em demasia, em grau de recurso, a apurar o crime do art. 235 do CPM [Código Penal Militar]...talvez metade dos casos que chegam àquela Sinecura. Para quem não é familiarizado com os crimes militares, trata-se do crime de pederastia. Sim caro leitor! No século XXI temos uma Corte que além de gastar milhões do contribuinte se ocupa em punir os soldados que praticam o antigo amor tebano! Que a pederastia se espalha pelos quartéis mundo afora, todos sabemos. Mas criar uma estrutura para processar e julgar esse pessoal já é piada de mau gosto. Mas em Brasília a licenciosidade com o dinheiro público busca coibir a licenciosidade de verdade.
E, para quem acha que o fim um dia estaria próximo, ao lado do STJ [Superior Tribunal de Justiça] tem uma área e uma placa onde se lê que ali será edificada a futura nova sede da Corte do Amor Socrático!
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Cabo do Exército Brasileiro sofreu ataques homofóbicos após postar foto beijando outro homem |
Um homem gay.Cara 1: "Eu sou tébico."
Cara 2: "Bom, eu sou solteiro."
(por William the fox, 3 de fevereiro de 2022)
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Um homem que se sente sexualmente e/ou romanticamente atraído por outros homens. O equivalente gay masculino a lésbica.
A palavra deriva seu significado do Batalhão Sagrado de Tebas, uma seção do exército tebano da Grécia Antiga, composta inteiramente por homens gays.
"Tébicos só se sentem atraídos por outros homens."
"Esse cara é totalmente tébico."
(por Pelopidas, 22 de janeiro de 2024)
Em fevereiro de 2022 o usuário @YourFoxFriend no X/Twitter explicou o uso de "Thebian", como ele se autodeclara, e traduzo aqui:
Se vocês estão se perguntando o que é um tébico/tebiano, é apenas um homem gay, porque muitas vezes pessoas bissexuais colocam "gay" em suas biografias. Homens gays não têm um termo para si mesmos, então "tébico/tebiano" será o nosso termo.
Apesar de aparentar ser interessante, eu discordo do uso da variante "thebian/tébico/tebiano" no lugar de "theban/tebano" em referência a homens que amam exclusivamente homens, inclusive, e especialmente, em comparação com "lesbian/lésbica/lesbiana". O equivalente feminino não é uma variante, pelo contrário, é exatamente a mesma palavra usada em línguas europeias tanto para mulheres que amam exclusivamente mulheres como para pessoas e coisas da ilha de Lesbos, incluindo português, inglês e até grego, seu idioma original, tanto é que em 2008 alguns habitantes de Lesbos moveram uma ação judicial para impedir o uso da palavra mundialmente com sentido de homossexualidade feminina, mas a mesma foi derrubada e os demandantes ainda tiveram que pagar os gastos judiciais.
Portanto, considero ser muito mais emblemático usarmos o mesmo termo referente a pessoas e coisas de Tebas, "theban/tebano", por tudo o que já foi dito sobre o "amor tebano", o amor de um homem por outro homem, em vez de uma palavra variante que, além de tudo, ainda soa feio aos ouvidos.
Assim sendo, eu mesmo criei uma entrada para "Tebano" ("Theban"), explicando sua origem histórica e associação com os homens que amam exclusivamente outros homens. É o segundo da lista, que eu postei sob o nome de usuário "Fábio of Thebes" no dia 04 de julho de 2025. Segue abaixo o print da tela:
Tradução:
Tebano
Um homem que se sente exclusivamente sexual e/ou romanticamente atraído por outros homens (HAH). O equivalente masculino a lésbica.
A palavra deriva seu significado do Batalhão Sagrado de Tebas, a elite do exército tebano, composta inteiramente por 150 pares de amantes masculinos, que pôs fim à dominação espartana na Grécia Antiga.
Na cidade-estado de Tebas, os homens podiam formalizar sua união amorosa no templo de Iolaus, amado de Hércules, viver juntos pelo resto de suas vidas e ser enterrados lado a lado da mesma forma que casais heterossexuais. Os melhores casais guerreiros entre eles eram eleitos para o Batalhão Sagrado.
Tebanos só se sentem atraídos por outros homens.
Cara 1: Eu sou tebano.
Cara 2: Legal!
Garota: Ei, bonitão. Quer sair um dia desses?Cara: Desculpe, eu sou tebano.
Por fim, as entradas "Achillean" em wikis e blogs do Tumblr costumam listar "Theban" como uma opção para homens que amam homens, mas sem especificar que são exclusivamente homossexuais (veja aqui, aqui, aqui e aqui).
Θ
Esse símbolo logo acima é a letra grega theta maiúscula, a primeira letra do nome da cidade-estado de Tebas em grego (Θῆβαι/Thêbai em grego antigo, Θήβα/Thíva em grego moderno). O theta maiúsculo era usado em moedas cunhadas em Tebas como um símbolo da poderosa pólis e eu proponho o seu uso como um símbolo dos homens tebanos modernos.
Em conclusão, embora a cidade de Tebas na Grécia antiga esteja fortemente associada a relacionamentos homomasculinos devido à importância histórica do Batalhão Sagrado, o termo "tebano" não foi historicamente adotado como sinônimo direto de "homem homossexual/homoafetivo", sendo esse um fenômeno ainda recente e, por enquanto, pouco difundido.
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Heroics de Paul Freeman |
A comparação com termos como "lésbica" destaca o potencial para que termos baseados em lugares históricos significativos se tornem associados a formas específicas de sexualidade/afetividade, mas "tebano", por enquanto, parece ter permanecido amplamente dentro do reino da referência histórica e simbólica, em vez de evoluir para um sinônimo geral — e é precisamente a isso que este relatório se propõe: contribuir para a disseminação de "tebano" como uma identidade saudável e empoderadora para homens que amam exclusivamente outros homens.
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