Hoje, dia 02 de fevereiro, é o Dia de Iemanjá comemorado em Salvador, Bahia, a cidade mais negra do mundo fora da África. Hoje, então, vamos conhecer um mito envolvendo a deusa Iemanjá e o surgimento do amor entre homens, iniciada entre os deuses segundo a mitologia iorubá.
|
Yemoja, de Abayomi Barber (1971). Galeria Nacional de Arte, Nigéria |
Com a Diáspora Africana, em que milhões de seres humanos foram escravizados e trazidos à força para trabalhar nas Américas, surgiram em alguns países do nosso continente religiões sincréticas derivadas desse processo, como o Candomblé no Brasil e a Santería em Cuba, surgidas do sincretismo entre as religiões iorubá e católica. Herdado direto dos iorubás, essas novas mitologias têm muitas similaridades com sua matriz africana, destacadamente a presença dos deuses do seu panteão, conhecidos como Orixás.
Iemanjá (Yemojá em iorubá) é uma grande deusa das águas, uma orixá, a mãe dos deuses e dos homens, a Grande Mãe. Ela é uma mãe fortemente protetora, e se importa profundamente com todos os seus filhos, confortando-os e livrando-os da tristeza. Dizem que ela pode curar infertilidade nas mulheres, e os búzios representam a riqueza dela. Ela não perde a paciência com facilidade, mas, quando irritada, pode ser bastante destrutiva e violenta, como as águas das enchentes dos rios turbulentos (na África ela era uma deidade dos rios, mas o longo trajeto dos africanos escravizados pelo oceano Atlântico a tornou uma deusa do mar à medida que essas pessoas foram sendo trazidas para cá, tornando-se um elo essencial entre elas e a terra de seus ancestrais).
|
A "Sereia de Itapuã" (Salvador-BA) representa a deusa Iemanjá. De Mário Cravo Jr., 1959 |
Iemanjá é frequentemente retratada como uma sereia e é associada à Lua (em algumas comunidades da Diáspora), à água e aos mistérios femininos. Ela é a protetora das mulheres e governa tudo referente a elas: concepção, parto, maternidade, segurança infantil, amor e cura. Segundo o mito, quando suas águas se romperam, isso causou uma grande inundação, criando rios e córregos, e os primeiros humanos mortais foram criados a partir de seu ventre.
|
Erinlé, fotos de James C. Lewis |
Em um
pataki ("conto mitológico") da Santería cubana, a deusa do mar Yemaha (como Iemanjá é conhecida lá) é levada a fazer sexo incestuoso com seu filho Shango (Xangô). Para esconder sua vergonha, ela baniu seus outros dois filhos homens,
Inlé e
Abbata (ou Abata), para viverem no fundo do oceano, após cortar a língua de Inlé e deixar Abbata surdo para que não revelassem o seu segredo para ninguém (contradizendo o seu alegado amor materno). Como resultado de seu isolamento e solidão, Inlé e Abbata se tornam amigos apaixonados e depois amantes, capazes de se comunicar através de muito esforço. Esse
pataki é usado para explicar a origem do incesto, da mudez e da surdez, além da homossexualidade.
Inlé é o orixá da saúde e de toda a cura medicinal na Santería e no Candomblé. Originalmente conhecido na Nigéria como
Erinlé, ele é associado aos estuários, o espaço intermediário onde o rio de água doce encontra o mar salgado. Ele é a divindade da saúde e da medicina, o médico de outras divindades, caçador da terra e do mar, e é frequentemente considerado o patrono das pessoas "homossexuais" e "transgêneras" — ou, no nosso caso e respeitando o
verdadeiro significado do mito desse deus,
patrono dos homens que amam homens. Segundo a tradição iorubá, Inlé era um poderoso caçador que foi deificado.
|
Inle (Harem Battle Club). Uma cobra no braço e a outra dentro da calça (ou seria a tromba do elefante?) |
Inlé é comumente descrito como um guerreiro e caçador forte, musculoso e saudável, com cabelos soltos em sete tranças e seus traços delicados lhe conferem grande beleza. Ele está sempre vestido com elegância, adornado com conchas de búzios, corais e belas penas dos pássaros que ele caça, e geralmente é mostrado com cobras enroladas em torno dele, lembrando a associação das cobras com a cura, como vemos no caduceu de Hermes e no
bastão de Asclépio/Esculápio; também se diz que a serpente que envolve o corpo de Inlé é o seu próprio amante Abbata.
|
Erinlé |
Inlé também pode ser representado segurando um cajado, arpão, punhal ou um anzol. Na natureza, ele é representado por peixes. Suas cores são branco, amarelo e azul, embora algumas fontes digam serem índigo, turquesa e coral. Suas vítimas sacrificiais são tipicamente brancas. Sua origem é no rio Erinle (de
Erin, "Elefante", e
Ilé, "Terra", ou "Terra dos Elefantes") no estado de Oxum (Osun) na Nigéria; dizem que o belo caçador de elefantes Erinlé um dia afundou na terra e se tornou o rio que leva o seu nome, sendo deificado como um orixá. No candomblé da Bahia ele também é conhecido como
Ibualama.
|
Inlé na Santería |
O nome do irmão-marido de Inlé, Abbata, vem de
Abata, que quer dizer "Pântano", referenciando sua origem aquática e como filho de Iemanjá, assim como Inlé. Por vezes dizem que Abbata é uma mulher, mas a razão disso eu não sei dizer; não consegui encontrar se ele pode mudar de gênero ou se é apenas uma questão de não aceitarem que duas divindades do mesmo sexo possam se amar, ainda mais se lembrarmos que a religião iorubá foi sincretizada com o catolicismo, o que pode ter levado a essa dificuldade de aceitação. O casal por vezes, no Brasil, é entendido como um único deus, chamado
Inlé Abata.
|
Inlé |
A mitologia iorubá, tanto em sua matriz africana quanto em seus sincretismos aqui no Brasil e em outras partes da América, ainda apresenta outros elementos homoeróticos (especificamente andrófilos) que aos poucos irei trazendo aqui. Se vocês demonstrarem interesse isso pode não demorar para acontecer.
Como sempre, espero que tenham gostado. Até a volta!
|
Visões modernas de Inlé (desconheço os artistas) |
2 comentários:
Olá, tudo bem?
Estou realizando uma pesquisa e por acaso esbarrei com teu blog, me interessei pelo termo Homotheosis e gostaria de saber mais, poderia entrar em contato comigo pelo meu Instagram @vinceferreira ? seria ótimo saber mais sobre, abs.
Olá, Vince. A única rede social que eu uso é o Facebook. Você pode falar comigo inbox através da página oficial do blog Homotheosis: https://www.facebook.com/PaganismoQueer/
Ou então por meu email pessoal: fmaximo1979@gmail.com
Muito obrigado pela visita e pelo comentário.
Postar um comentário