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10 fevereiro 2020

O diário de 200 anos que está reescrevendo a história do amor e sexo entre iguais

Homossexualidade na História - O diário de 200 anos que está reescrevendo a história do amor e sexo entre iguais

 Essa fascinante descoberta nos traz mais pistas sobre como se pensava o amor masculino na era pré-vitoriana e início da vitoriana entre pessoas comuns da Grã-Bretanha, então a maior potência mundial.

Texto de Sean Coughlan para a BBC (10/fev/2020)
Tradução pelo dono deste blog. (favor fazer referência a esta página se for usar esta tradução)

Um diário escrito por um fazendeiro de Yorkshire, há mais de 200 anos, está sendo considerado uma evidência notável de tolerância à homossexualidade na Grã-Bretanha muito antes do que se imaginava anteriormente.

Historiadores da Universidade de Oxford ficaram surpresos ao descobrir que o diário de Matthew Tomlinson de 1810 contém visões de mente aberta sobre a atração pelo mesmo sexo como uma tendência humana "natural".

O diário desafia os preconceitos sobre o que "as pessoas comuns" pensavam sobre a homossexualidade — mostrando um debate sobre se alguém realmente deveria ser discriminado por sua sexualidade.

"Nesta emocionante nova descoberta, vemos um fazendeiro de Yorkshire argumentando que a homossexualidade é inata e algo que não deve ser punido com a morte", diz o pesquisador de Oxford Eamonn O'Keeffe.

Homossexualidade na História - O diário de 200 anos que está reescrevendo a história do amor e sexo entre iguais
O historiador Eamonn O'Keeffe diz que os diários fornecem uma
visão rara 
dos pontos de vista das pessoas comuns no início do século 19.
O historiador estava examinando os diários manuscritos de Tomlinson, que estão armazenados na Biblioteca Wakefield desde os anos 50.

As milhares de páginas dos diários particulares nunca foram transcritas e usadas anteriormente por pesquisadores interessados ​​nos relatos testemunhados por Tomlinson sobre as eleições em Yorkshire e os ludditas destruindo máquinas.

Mas O'Keeffe encontrou o que parecia, para a época do rei George III, ser um conjunto bastante surpreendente de argumentos sobre relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Tomlinson havia sido motivado pelo que havia sido um grande escândalo sexual da época — no qual um respeitado cirurgião naval estava envolvido em atos homossexuais.

Uma corte marcial ordenou que ele fosse enforcado — mas Tomlinson parecia não convencido pela decisão, questionando se o que os jornais chamavam de "ato não natural" era realmente tão antinatural.

Tomlinson argumentou, de uma perspectiva religiosa, que punir alguém por como eles foram criados equivalia a dizer que havia algo errado com o Criador.

"Deve parecer realmente estranho que Deus Todo-Poderoso faça um ser com essa natureza, ou com um defeito na natureza; e ao mesmo tempo faça um decreto de que, se esse ser a quem ele havia formado, deveria seguir a qualquer momento os ditames dessa Natureza, com a qual ele foi formado, deveria ser punido com a morte", escreveu em 14 de janeiro de 1810.

Se havia uma "inclinação e propensão" para alguém ser homossexual desde tenra idade, ele escreveu: "deve ser considerado como natural, ou então como um defeito na natureza — e se é natural, ou um defeito na natureza; parece cruel punir esse defeito com a morte".

O diarista faz referência a ser informado por outras pessoas de que a homossexualidade é aparente desde tenra idade — sugerindo que Tomlinson e seu círculo social conversavam sobre esse caso e discutiam algo que não lhes era desconhecido.

Por volta dessa época, e também em West Yorkshire, Anne Lister, uma proprietária de terras, estava escrevendo um diário codificado sobre seus relacionamentos lésbicos — com sua história contada na série de televisão Gentleman Jack.

Mas saber o que as "pessoas comuns" realmente pensavam sobre esse comportamento é sempre difícil — até porque as vozes sobreviventes mais altas são geralmente as mais ricas e poderosas.

O que excitou os acadêmicos é a chance de bisbilhotar um fazendeiro comum pensando alto em seu diário.

"O mais impressionante é que ele é um cara comum, não é membro dos círculos boêmios nem é intelectual", diz O'Keeffe, um estudante de doutorado na Faculdade de História de Oxford.

Uma aceitação da homossexualidade poderia ter sido expressa em particular em círculos aristocráticos ou filosoficamente radicais — mas isso estava sendo discutido por um trabalhador rural.

"Isso mostra que as opiniões de pessoas no passado não eram tão monolíticas quanto poderíamos pensar", diz O'Keeffe, que é originalmente do Canadá.

"Mesmo que este tenha sido um período de perseguição e intolerância em relação a relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, aqui está uma pessoa comum que nada contra a corrente e vê o que lê no jornal e questiona essas suposições".

Claire Pickering, diretora de biblioteca de Wakefield, diz que imagina o obstinado Tomlinson falando as palavras com sotaque de Yorkshire.

Homossexualidade na História - O diário de 200 anos que está reescrevendo a história do amor e sexo entre iguais
Claire Pickering, na Biblioteca de Wakefield, imagina
o escritor do diário falando com sotaque de Yorkshire
Ele era um homem com uma "mente faminta", ela diz, alguém que ouvia muitas opiniões das pessoas antes de tirar suas próprias conclusões.

O diário, presumivelmente compilado após um árduo dia de trabalho, era sua maneira de ser escritor e comentarista quando, de outra forma, "esse não era o seu posto na vida", diz ela.

O'Keeffe diz que mostra que as idéias estavam "percolando a sociedade britânica muito mais cedo e mais amplamente do que esperávamos" — com o diário resolvendo os debates que Tomlinson poderia ter tido com seus vizinhos.

Mas ainda estavam longe das visões liberais modernas — e O'Keeffe diz que podem ser argumentos extremamente "dissonantes".

Se alguém era homossexual por escolha, e não por natureza, Tomlinson estava pronto para considerar que eles ainda deveriam ser punidos — propondo a castração como uma opção mais moderada do que a pena de morte.

O'Keeffe diz que descobrir evidências desse tipo de debate "enriqueceu e complicou" o que sabemos sobre a opinião pública nessa era pré-vitoriana.

O diário está despertando interesse internacional
O professor Fara Dabhoiwala, da Universidade de Princeton, nos EUA, especialista na história das atitudes em relação à sexualidade, o descreve como "prova vívida" de que "atitudes históricas em relação ao comportamento do mesmo sexo podem ser mais simpáticas do que se costuma presumir".

Homossexualidade na História - Pena de morte pelo crime de sodomia na Inglaterra
A pena de morte por "sodomia" foi abolida
apenas em 1861. Um total de 8.921 homens
foram processados ​​desde 1806 por sodomia na Inglaterra,
com 404 condenados à morte e 56 executados.
Em vez de ver a homossexualidade como uma "perversão horrível", o professor Dabhoiwala diz que o registro mostrou que um agricultor em 1810 poderia vê-la como "uma qualidade humana natural e divinamente ordenada".

Rictor Norton, especialista em história gay, disse que houve argumentos anteriores que defendiam a homossexualidade como natural — mas esses eram mais prováveis ​​de filósofos do que de fazendeiros.

"É extraordinário encontrar um observador casual e comum em 1810, considerando seriamente a possibilidade de a sexualidade ser inata e argumentando a favor da descriminalização", diz Norton.

Quem foi o escritor desse diário?
Matthew Tomlinson era viúvo aos 40 anos quando escreveu seu diário em 1810 — um homem de classe "mediana", não um trabalhador pobre, mas não rico o suficiente para possuir sua própria terra.

"Tento imaginar como ele se parecia", diz Pickering, a diretora da biblioteca.

Não há fotos de Tomlinson, que se acredita ter vivido entre 1770 e 1850.

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Trecho de um de seus diários
"Muito severo", ela sugere. E um "um pouco hipocondríaco".

"Eu imagino que se você o parasse no portão dele para conversar, ele falaria sobre a gota dele mais do que qualquer outra coisa.

"Eu adoraria ter uma conversa com ele sobre como era Wakefield na época", diz ela.

Ninguém sabe como esses diários particulares, cobrindo de 1806 a 1839, acabaram na Biblioteca Wakefield, mas eles estavam lá nos anos 1950 e presume-se que sejam parte de uma aquisição anterior de livros antigos e documentos locais.

Existem três volumes sobreviventes e pelo menos outros oito estão faltando.

Mas eles mostram detalhes vívidos sobre a vida em Wakefield no início do século 19.

Durante as eleições, Tomlinson ficou horrorizado com a corrupção, os bebedores de rum sendo levados para casa em carrinhos de mão e os "rufiões contratados".

E, na coroação da rainha Victoria, ele era cético em relação a cerimônias e celebrações caras, chamando todos de "farsas".

Este não era um mundo fechado. Seu círculo social parecia ser de ávidos leitores de livros e jornais, acompanhando relatos de revoluções no exterior e tumultos e insurreições em casa.

Eles viram elefantes marchando por Wakefield em um desfile de circo e bandas militares que competiram para contratar os músicos negros mais talentosos.

Sabemos onde ele morava — Doghouse Farm, em Lupset, porque ele escrevia isso cuidadosamente na frente de seus diários.

Homossexualidade na História - O diário de 200 anos que está reescrevendo a história do amor e sexo entre iguais
Os diários foram escritos à mão por Tomlinson na fazenda onde ele morava e trabalhava
A fazenda, nos limites das terras do proprietário, agora está sob um conjunto habitacional e um campo de golfe. Tudo o que sobrevive são os diários dele.


Fonte: The 200-year-old diary that's rewriting gay history (sítio da BBC, 10/fev/2020)
Mais informações: Yorkshire farmer argues homosexuality is natural in 1810 diary discovery (sítio da Universidade de Oxford, 10/fev/2020)

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