Surpreendentemente, críticas sensíveis ao gênero do Deus judaico podem criar problemas para as noções de masculinidade.
No artigo a seguir, o autor apresenta a tese de seu livro, God’s Phallus: And Other Problems for Men and Monotheism (O Falo de Deus: E Outros Problemas para os Homens e o Monoteísmo, numa tradução livre). Com base em sua leitura de fontes judaicas, ele argumenta que há uma tensão entre o privilégio da tradição judaica de heterossexualidade (e procriação) e a relação entre Deus e os homens judeus, que contém elementos homoeróticos. Este artigo é adaptado e reimpresso de God’s Phallus (O Falo de Deus), publicado pela Beacon Press.
O título deste livro (God’s Phallus) é chocante porque o pensamento de Deus ter um pênis é chocante. A maioria dos judeus e cristãos pensa em Deus Pai como carente de um corpo e, portanto, além da sexualidade. Sem um corpo, Deus obviamente não pode ter órgão sexual.
Moisés Erigindo a Serpente de Bronze, de William Blake (c. 1801-3) |
É por isso que o título God’s Phallus é um assunto sério que aponta para questões interessantes sobre a natureza dos símbolos religiosos e a maneira pela qual as questões de gênero, sexualidade e desejo são inseparáveis delas. Mais especificamente, este é um livro sobre a paternidade divina e as maneiras pelas quais o corpo sexual de um deus paterno incomoda a concepção de masculinidade.
Pode, é claro, parecer contra-intuitivo pensar em um deus masculino como sendo problemático para a concepção de masculinidade. Afinal, dezenas de estudos feministas nos últimos vinte anos exploraram a maneira pela qual imagens de deidades masculinas autorizam a dominação masculina na ordem social. Como esses estudos demonstraram bem, um macho divino legitima a autoridade masculina e deifica a masculinidade. Assim, pode parecer paradoxal considerar que o símbolo de um deus masculino gere dilemas para a concepção de masculinidade.
No entanto, eu diria que, ao mesmo tempo em que tal símbolo funciona para legitimar a masculinidade, que pode de fato ser sua função primária e até original, ela também torna instável o significado de masculinidade. Este livro explora como as tensões decorrentes da ideia do corpo sexual do Deus Pai são expressas no mito e no ritual de uma tradição religiosa, a saber, do antigo judaísmo.
Idolatria do Bezerro de Ouro (autoria desconhecida). Símbolo da potência masculina na maioria das religiões da região, o culto ao boi/touro representava o pecado da idolatria punido por Javé |
Mas as metáforas heterossexuais nos textos antigos desmentem a natureza da relação em questão: são os homens humanos, não as mulheres, que são imaginadas como tendo as relações primárias íntimas com a divindade. O Israel que é coletivamente imaginado como uma mulher é na verdade constituído por homens, homens como Moisés e os patriarcas. E esses homens amam, de maneiras erótica e sensualmente imaginadas, uma divindade masculina.
Isso não teria colocado um problema se a masculinidade humana não estivesse tão fortemente associada à procriação no judaísmo antigo. Ser um homem na antiga cultura israelita envolvia casar, ter filhos e levar adiante a linhagem do pai ou da tribo. Assim, o conceito de masculinidade do judaísmo antigo estava profundamente enredado em imagens do que hoje é chamado de heterossexualidade.
Ainda outro conjunto de dilemas é gerado pela imagem monoteísta de um Deus Pai sem sexo. Como tem sido apontado por muitos intérpretes, o Deus dos judeus, ao contrário dos deuses do antigo Oriente Médio e muitas outras tradições religiosas, não tem relações sexuais ou produz filhos, pelo menos na literatura que fez o seu caminho para a Bíblia hebraica. O registro arqueológico sugere que muitos israelitas podem ter imaginado a deusa Asherah como parceira de Javé (Yahweh), mas na Bíblia hebraica e na variedade de judaísmos que floresceram posteriormente, Israel imaginou Deus como não tendo parceiras sexuais.
Apesar do fato de que Deus metaforicamente se casa (Oseias 1-2 / Jeremias 2:2), e até tem relações sexuais com a entidade Israel (Ezequiel 16:8), que é imaginado como mulher, essa união metafórica difere das uniões de divindades masculinas e femininas encontradas na mitologia de muitas outras tradições religiosas.
A assexualidade [N/T: isto é, seu caráter como assexuado] do Deus Pai era problemática em uma cultura definida pela descendência patrilinear. Esperava-se que um homem se reproduzisse, continuasse sua linhagem, mas também se entendia que ele era feito à imagem de um Deus que era essencialmente celibatário.
EU TE AMO mas, por favor, se eu te vir olhando tanto assim para outro deus eu quebro teu pescoço |
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