Aviso aos nossos inimigos:

"Pereçam miseravelmente aqueles que pensam que estes homens fizeram ou sofreram algo vergonhoso." (Filipe II da Macedônia sobre o Batalhão Sagrado de Tebas, o Exército de Amantes)

05 novembro 2022

Casais masculinos famosos e não tão famosos na história antiga

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Cena de Simpósio, Tumba do Mergulhador
 A história é registrada por seres humanos individuais com suas próprias crenças e interesses orientando o que eles escolhem registrar e, como tal, muitos eventos e detalhes podem ser omitidos do relato de um determinado evento ou da história de vida de uma grande personalidade. Isto é especialmente verdade quando se considera a chamada "história 'gay'" (ou, melhor dizendo, a história dos homens que amam homens — ou história HAH, para encurtar).

A "história HAH", é claro, é apenas uma história que inclui menção à orientação afetossexual de um homem. As relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo — sobretudo quando falamos de nós, os homens — eram consideradas simplesmente mais uma expressão da sexualidade humana nas culturas das civilizações antigas e não eram consideradas "vergonhosas" ou "pecaminosas" até depois da ascensão do cristianismo, que condenava tais relações, não porque fossem "erradas", mas porque elas estavam associadas a outros sistemas de crenças e práticas.

Harmódio e Aristógito - Harmodius and Aristogeiton - Cena de simpósio, vaso grego - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade na Grécia Antiga - Homosexuality in Ancient Greece
Embora tenha sido alegado que há pouca evidência para identificar positivamente figuras do passado como amantes do mesmo sexo (AMS), este fato por si só argumenta a facilidade com que os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo foram aceitos, como se não fossemnem  dignos de nota. Historiadores anteriores fazem menção às preferências de gênero de algumas pessoas, enquanto biografias de homens como Alexandre, o Grande ou Júlio César, escritas na Era Comum (isto é, "depois de Cristo"), minimizam ou ignoram esse aspecto. O historiador Lee Wind comenta:

A história soa realmente oficial. Como se tudo fosse fato. Como se fosse o que aconteceu. Mas isso não é necessariamente verdade. A história foi feita pelas pessoas que a registraram. Imagine que você entrou em uma briga na escola. Mais tarde, haverá diferentes versões do que aconteceu. Você terá sua história, a outra pessoa terá a história dela, e uma terceira pessoa, que talvez tenha visto a luta acontecer, terá uma terceira história. Em cuja história o diretor acreditará? Qual versão se tornará a história oficial, a história daquele momento? E se essa terceira pessoa não gostar de você? E se essa terceira pessoa for sua melhor amiga? E se sua briga fosse com o filho do diretor? A estória de quem será a história agora?

Harmódio e Aristógito - Harmodius and Aristogeiton - Cena de simpósio, vaso grego - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade na Grécia Antiga - Homosexuality in Ancient Greece
A observação de Wind se aplica a relatos históricos em geral, mas certamente a alguns dos casais abaixo. Nesses casos, há evidências textuais suficientes para sugerir que alguns provavelmente eram HAH, e outros certamente eram. Alguns dos seguintes casais vêm da literatura e mitologia greco-romana e, portanto, não são históricos, mas sugerem o paradigma da ampla aceitação de relacionamentos entre homens sem qualquer indício de preconceito ou julgamento. Homero, em sua descrição da relação entre Aquiles e Pátroclo, não os apresenta explicitamente como HAH, mas fornece pistas de contexto suficientes para que, nos séculos V e IV AEC (Antes da Era Comum, ou "antes de Cristo"), os escritores os considerassem como tal e, pelo menos desde o século III AEC, o termo "aquileano" se refere ao amor, desejo e intimidade entre homens.

Da mesma forma, Alexandre, o Grande e Heféstion foram caracterizados como "amigos íntimos" por estudiosos e historiadores, enquanto fontes primárias sugerem fortemente que eles eram amantes. No caso de Safo de Lesbos [N/T: que não abordarei aqui, mas você pode conferir no texto original, em inglês, no link ao final do artigo], pode ser que ela estivesse assumindo uma persona em sua poesia, mas os escritores antigos a entendiam como MAM (uma mulher que ama mulheres) e ela inspirou os termos "sáfico" e "lésbica" em relação à homossexualidade feminina. Os demais da lista não deixam dúvidas quanto à sua orientação e preferência afetossexual.


Aquiles e Pátroclo - Achilles and Patroclus - Achilles Tending to Patroclus, Sosias Painter - Aquiles cuidando de Pátroclo, pintor de Sósias - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade na Grécia Antiga - Homosexuality in Ancient Greece

Aquiles e Pátroclo

Aquiles e Pátroclo são bem conhecidos da Ilíada de Homero (século VIII AEC), na qual são descritos como amigos muito próximos que cresceram juntos e se juntaram à expedição dos gregos micênicos na guerra de Tróia. Quando o líder grego Agamenon toma a escrava de Aquiles, Briseis, sem seu consentimento, Aquiles se retira da batalha e os gregos começam a perder até que Pátroclo veste a armadura de Aquiles e lidera seus homens na batalha. Pátroclo é morto pelo príncipe troiano Heitor, e Aquiles vinga sua morte matando Heitor e desonrando seu cadáver. Pátroclo aparece a Aquiles em um sonho pedindo que sejam enterrados juntos, e a dor de Aquiles pela perda de seu amigo sugere uma conexão íntima. Na época de Platão (428/427—348/347 AEC), entendia-se que os dois eram amantes, como fica claro no diálogo de Platão, o Simpósio. O relacionamento de Aquiles com Briseis tem sido interpretado no presente como sugerindo que ele era "bissexual", mas esse é um conceito moderno. As relações sexuais com pessoas de ambos os sexos ou, em algumas culturas, com um terceiro gênero eram simplesmente consideradas sexo.


Alexandre Magno e Heféstion - Alexander the Great and Hephaestion - Alexander the Great (Artbreeder Facial Reconstruction) - Alexandre, o Grande (Reconstrução Facial Artbreeder) - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade na Grécia Antiga - Homosexuality in Ancient Greece

Alexandre e Heféstion

Alexandre, o Grande (356—323 AEC) e Heféstion (c. 356—324 AEC) foram amigos ao longo da vida, tendo crescido juntos, mas escritores como Plutarco sugerem que eles também eram amantes. Eles parecem ter modelado seu relacionamento no de Aquiles e Pátroclo, e uma história relata como, ao visitar o sítio de Tróia, Alexandre colocou uma coroa de flores para Aquiles e Heféstion para Pátroclo no túmulo conjunto do casal. Quando Heféstion morreu de febre, Alexandre mandou matar o médico que não conseguiu curá-lo e declarou ritos funerários observados apenas para a realeza, tendo sido declarado um herói divino. Alexandre é conhecido por ter outro amante masculino, o jovem persa Bagoas, mas isso não foi tão profundo ou duradouro quanto o relacionamento com Heféstion.


Khnumhotep e Niankhkhnum - Khnumhotep and Niankhkhnum - Cena de simpósio, vaso grego - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade no Egito Antigo - Homosexuality in Ancient Egypt

Khnumhotep e Niankhkhnum

Os supervisores dos manicuros reais Khnumhotep e Niankhkhnum são reivindicados por alguns estudiosos como o primeiro casal do mesmo sexo na história registrada. Ambos eram assistentes pessoais do rei Niuserre da 5ª Dinastia do Egito durante a segunda metade do século XXV AEC do período do Império Antigo. Após sua morte, eles foram colocados na mesma tumba, que foi decorada com imagens deles se abraçando e se tocando nariz com nariz, um gesto que os estudiosos reconhecem como um beijo. Ambos os homens eram casados ​​e tinham filhos, o que levou alguns estudiosos a concluir que eram irmãos, não amantes, mas esta afirmação não aborda outras imagens no túmulo em que Khnumhotep é retratado no lugar de honra que normalmente teria sido ocupado pela esposa de Niankhkhnum.


Adriano e Antínoo - Hadrian and Antinous - Braschi Antinous - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade na Roma Antiga - Homosexuality in Ancient Rome

Adriano e Antínoo

Adriano (76—138 EC) foi imperador de Roma no auge e se envolveu em vários relacionamentos do mesmo sexo antes de conhecer Antínoo (c. 110—130 EC) na Bitínia (na atual Turquia) em 123 EC. O casal seria quase inseparável, viajando para diferentes partes do Império Romano, até que Antínoo se afogou no rio Nilo, no Egito. É sugerido por escritores antigos que sua morte não foi um acidente, mas um sacrifício que o jovem fez para curar Adriano de alguma doença desconhecida. Adriano deificou Antínoo após sua morte e seu culto rapidamente se tornou um dos mais populares, espalhando-se por todo o império e eventualmente rivalizando com a nova religião do cristianismo.


Harmódio e Aristógito - Harmodius and Aristogeiton - Cena de simpósio, vaso grego - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade na Grécia Antiga - Homosexuality in Ancient Greece

Harmódio e Aristógito

Harmódio e Aristógito (ambos morreram em 514 AEC) eram um casal masculino de Atenas que foram homenageados como "os Tiranicidas" por derrubar o governo de Hiparco (morto em 514 AEC) e Hípias (morto em 510 AEC) — embora isso nunca tenha sido sua intenção. Hiparco desenvolveu uma queda por Harmódio, declarou seu amor a ele e foi rejeitado, então ele retaliou insultando a irmã de Harmódio. Os dois amantes então assassinaram Hiparco durante a celebração do Festival Panatenaico na ágora. Eles foram pegos, no entanto, e Harmódio foi executado instantaneamente enquanto Aristógito foi morto após tortura. Quatro anos depois, os atenienses pediram ajuda a Esparta para livrá-los de Hípias e, uma vez feito isso, reescreveram sua história para eliminar o papel de Esparta e elevar Harmódio e Aristogeiton como os heróis que acabaram com a tirania e restauraram a democracia em Atenas, mesmo que eles não tivessem feito nenhum dos dois diretamente. Uma estátua dos dois amantes foi erguida na ágora de Atenas e eles continuaram a ser altamente considerados por séculos.


Duque Ling de Wey e Mizi Xia - Duke Ling of Wey and Mizi Xia - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade na China Antiga - Homosexuality in Ancient China

Duque Ling de Wey e Mizi Xia

Um dos relatos mais famosos de casais masculinos da China antiga é a história do relacionamento entre o Duque Ling de Wey (reinado: 534—493 AEC) e o cortesão Mizi Xia. O duque era casado e tinha um filho, mas preferia a companhia de seu amante. Mizi Xia uma vez pegou a carruagem do duque sem pedir permissão para visitar sua mãe doente e, em vez de receber a punição severa que qualquer outra pessoa teria recebido, foi elogiado pelo duque por sua piedade filial. Outra vez, quando saíram para passear, Mizi Xia ofereceu ao duque metade de um pêssego que ele estava comendo, e o duque ficou emocionado, dizendo: "Como é grande o seu amor por mim. Você esquece seu próprio apetite e pensa apenas em me dar coisas boas para comer!" A frase "amor do pêssego meio comido" tornou-se então a palavra de ordem para relacionamentos entre homens. Ambos os eventos foram posteriormente reinterpretados pelo duque depois que ele se desapaixonou por Mizi Xia, menosprezando seu ex-amante dizendo: "Ele uma vez pegou minha carruagem sem pedir e me ofereceu um pêssego meio comido, então não há como dizer o que ele pode fazer." O fim de seu relacionamento geralmente é deixado de fora dos textos, mas na verdade foi o ponto principal da passagem do filósofo Han Feizi (c. 280—233 AEC), que alertava os cortesãos sobre casos de amor com a realeza inconstante.


Batalhão Sagrado de Tebas - Boeotian hoplites, Theban hoplite, Sacred Band of Thebes, Angus McBride - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade na Grécia Antiga - Homosexuality in Ancient Greece

Batalhão Sagrado de Tebas

O Batalhão Sagrado de Tebas não era um casal, mas 150, que formavam a força de combate de elite de 300 homens composta pelos melhores guerreiros do exército tebano. Os casais eram escolhidos a dedo por suas proezas militares, e o grupo foi formado na crença de que o amante e o amado lutariam até a morte não apenas para proteger um ao outro, mas para não parecerem covardes e envergonhar o outro na presença de seus irmãos de armas. Todos os casais aderiram ao modelo clássico de relacionamento masculino na Grécia de um amante mais velho cuidando e melhorando o caráter de um amado mais jovem (embora os casais do Batalhão Sagrado fossem todos adultos, como era permitido pela legislação tebana), e o nome da unidade vem dos votos que faziam um ao outro em nome de o deus do amor, Eros, no santuário de Iolaus, amado de Hércules. Embora tenham sido formados em c. 379/378 AEC e participaram de campanhas anteriores a 371 AEC, eles são regularmente referenciados como invictos da Batalha de Leuctra em 371 AEC até a Batalha de Queroneia em 338 AEC, quando foram superados pelos macedônios sob Filipe II (reinado: 359—336 AEC) e Alexandre III, futuro o Grande (356—323 AEC). Diz-se que Filipe chorou por sua bravura enquanto se mantiveram firmes até que que o último fosse morto. Acredita-se que a estátua do Leão de Queroneia marque seu local de sepultamento.


Niso e Euríalo - Nisus and Euryalus - Amor Masculino - Gay Male Love - Amor Másculo - Manly Love - História Gay - Gay History - Man2Man - Homossexualidade na Roma Antiga - Homosexuality in Ancient Rome

Niso e Euríalo

Há muitos outros exemplos de relacionamentos famosos entre homens tanto na história antiga quanto na literatura. Entre eles está a estória dos guerreiros Niso e Euríalo dos livros 5 e 9 da Eneida de Virgílio (70—19 AEC), que, como alguns dos mencionados acima, é frequentemente interpretado como uma amizade profunda em vez de um relacionamento romântico, embora se encaixa claramente no padrão deste último. Niso é o mais velho do casal, o amante, e Euríalo é o mais jovem, o amado. Os dois fazem parte dos refugiados troianos que o herói Enéias leva para a Itália após a queda de Tróia, e sua história faz parte das batalhas que os troianos travam contra as tribos itálicas hostis da região antes de estabelecerem o que seria futuramente a cidade de Roma. Durante um ataque noturno, Euríalo é capturado por uma dessas tribos, e Niso tenta resgatá-lo, mas ambos são mortos, caindo em defesa um do outro.


Conclusão

Júlio César, Sócrates, Platão, Píndaro e muitos outros são citados como preferindo relacionamentos do mesmo sexo que, como visto acima, também eram uma expressão aceita de afeto e sexualidade em outras culturas. O estudioso Colin Spencer comenta:

No mundo antigo não havia necessidade de distinguir a atividade sexual com o mesmo sexo daquela com o sexo oposto, nem havia qualquer opróbrio social ligado ao gênero; em vez disso, a ignomínia era reservada para atos sexuais passivos [N/T: quando entre homens]. Não havia necessidade de uma palavra como "homossexualidade" porque o conceito dela não existia.

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Os termos "homossexual" e "heterossexual", na verdade, não foram cunhados até o século XIX, e ambos por um homem "homossexual", o escritor austríaco Karl-Maria Kertbeny (1824—1882) em 1869. Kertbeny surgiu com o termos na tentativa de normalizar e defender as relações entre pessoas do mesmo sexo que haviam sido criminalizadas pelo governo prussiano. Antes do surgimento do cristianismo, no entanto, nenhuma distinção havia sido feita. O argumento de Kertbeny para a aceitação de casais do mesmo sexo, de fato, pareceria sem sentido para o mundo antigo e pré-cristão porque eles já eram amplamente aceitos.

Fonte

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