Aviso aos nossos inimigos:

"Pereçam miseravelmente aqueles que pensam que estes homens fizeram ou sofreram algo vergonhoso." (Filipe II da Macedônia sobre o Batalhão Sagrado de Tebas, o Exército de Amantes)

05 março 2020

'Antinous', um poema de Fernando Pessoa

Homossexualidade na Roma Antiga - Estátua de Antínoo, Antinous no Museu Arqueológico Nacional de Atenas
Antínoo no Museu Arqueológico Nacional de Atenas
 Antínoo inspirou e continua inspirando o mundo ocidental desde a Antiguidade até a Era Contemporânea, graças à sua beleza, ao seu relacionamento amoroso com o imperador Adriano e a sua divinização após a morte, e a sua figura sempre esteve presente nas artes, sobretudo na escultura e na literatura. Conheçam então o poema intitulado Antínous (ou Antínoo) escrito pelo poeta português Fernando Pessoa em 1915.

Antínoo, o jovem greco-bitínio amante do imperador Adriano de Roma, o homem mais poderoso do mundo durante o seu reinado, permaneceu uma figura de importância cultural nos séculos vindouros; como observou Caroline Vout (em Antinous, Archaeology, History (2005)), ele era "indiscutivelmente o mais notório belo rapaz dos anais da história clássica". Na Era Moderna, esculturas de Antínoo começaram a ser reproduzidas a partir do século 16; é provável que alguns desses exemplos modernos tenham sido posteriormente vendidos como artefatos clássicos e ainda sejam vistos como tais.

Homossexualidade na Roma Antiga - Adriano e Antínoo, Antinous, séc. 2 (Museu Britânico)
Adriano e Antínoo, mármores romanos do séc. 2 (Museu Britânico)
Antínoo atraiu a atenção da subcultura homoerótica desde o século 18, os exemplos mais ilustres são o príncipe Eugênio de Sabóia e o rei Frederico o Grande da Prússia, ambos andrófilos. Vout observou que Antínoo passou a ser identificado como "um ícone gay". A romancista e estudiosa Sarah Waters identificou Antínoo como estando "na vanguarda da imaginação homossexual" no final da Europa do século 19. Nisso, Antínoo substituiu a figura de Ganimedes, que havia sido a principal representação homoerótica nas artes visuais durante o Renascimento. O autor andrófilo Karl Heinrich Ulrichs comemorou Antínoo em um panfleto de 1865 que ele escreveu sob o pseudônimo de "Numa Numantius". Em 1893, o jornal homófilo The Artist começou a oferecer estátuas de Antínoo por £3 10s (3 libras esterlinas e meia). Na época, a fama de Antínoo foi aumentada pelo trabalho de ficção e por escritores e estudiosos, muitos dos quais não eram HAH (homens que amam homens).

Referências a Antínoo , diretas ou indiretas, estão presentes nas obras de grandes nomes da literatura mundial, como o irlandês Oscar Wilde, o francês Victor Hugo, o austríaco Rainer Maria Rilke, o inglês Aldous Huxley e o grande poeta português Fernando Pessoa (1888-1935).

Em 1915, Fernando Pessoa escreveu um longo poema homoerótico intitulado Antínous, mas ele o publicou apenas em 1918, próximo ao final da Primeira Guerra Mundial, em um pequeno volume de versos em inglês. Em 1921, ele publicou uma nova versão deste poema em English Poems, um livro publicado por sua própria editora, a Olisipo. Neste link você pode ver as imagens de todas as páginas da publicação original do poema.

Abaixo vocês podem ler a tradução em português e o poema original em inglês, além de uma bela crítica sobre o poema escrita pelo conceituado tradutor, com os devidos créditos e links para as páginas onde eu os encontrei. Aproveitem a leitura.


Homossexualidade na Roma Antiga - Antínoo, Antinous Farnese, séc. 2
Antinous Farnese, séc. 2
ANTÍNOO (trechos)
Fernando Pessoa

Era em Adriano fria a chuva fora

Jaz morto o jovem
No raso leito, e sobre o seu desnudo todo,
Aos olhos de Adriano, cuja cor é medo,
A umbrosa luz do eclipse-morte era difusa

Jaz morto o jovem, e o dia semelhava noite lá fora
A chuva cai como um exausto alarme
Da Natureza em acto de matá-lo.
Memória do que el´ foi não dava já deleite,
Deleite no que el´ foi era morto e indistinto.

Oh mãos que já apertaram as de Adriano quentes,
Cuja frieza agora as sente frias!
Oh cabelo antes preso p´lo penteado justo!
Oh olhos algo inquietantemente ousados!
Oh simples macho corpo feminino
qual o aparentar-se um Deus à humanidade!
Oh lábios cujo abrir vermelho titilava
os sítios da luxúria com tanta arte viva!
Oh dedos que hábeis eram no de não ser dito!
Oh língua que na língua o sangue audaz tornava!
Oh regência total do entronizado cio
Na suspensão dispersa da consciência em fúria!
Estas coisas que não mais serão.
A chuva é silenciosa, e o Imperador descai ao pé do leito.
A sua dor é fúria,
Porque levam os deuses a vida que dão
e a beleza destroem que fizeram viva.
Chora e sabe que as épocas futuras o fitam do âmago do vir a ser;
O seu amor está num palco universal;
Mil olhos não nascidos choram-lhe a miséria.

Antínoo é morto, é morto para sempre,
É morto para sempre, e os amor´s todos gemem.
A própria Vénus, que de Adónis foi amante,
Ao vê-lo então revivo, ora morto de novo,
Empresta renovada a sua antiga mágoa
Para que seja unida à dor de Adriano.

Agora Apolo é triste porque o roubador
Do corpo branco seu ´stá para sempre frio.
Não beijos cuidadosos na mamílea ponta
Sobre o pulsar silente lhe restauram
Sua vida que abra os olhos e a presença sinta
Dela por veias ter o reduto do amor.
Nenhum de seu calor, calor alheio exige.
Agora as suas mãos não mais sob a cabeça
Atadas, dando tudo menos mãos,
Ao projectado corpo mãos imploram.

A chuva cai, e el´ jaz
como alguém que de seu amor ´squeceu todos os gestos
E jaz desperto à espera que regressem quentes.
Suas artes e brincos ora são c´o a Morte.
Humano gelo é este sem calor que o mova;
Estas cinzas de um lume não chama há que acenda.

Que ora será, Adriano, a tua vida fria?
Quão vale ser senhor dos homens e das coisas?
Sobre o teu império a ausência dele desce como a noite.
Nem há manhã na esp´rança de um deleite novo;
Ora de amor e beijos viúvas são as tuas noites;
Ora os dias privados de a noite esperar;
Ora os teus lábios não têm fito em gozos,
Dados ao nome só que a Morte casa
À solidão e à mágoa e ao temor

Tuas mãos tacteiam vagas alegria em fuga
Ouvir que a chuva cessa ergue-te a cabeça,
E o teu relance pousa no amorável jovem.
Desnudo el´ jaz no memorado leito;
Por sua própria mão el´ descoberto jaz.
Aí saciar cumpria-lhe teu senso frouxo,
Insaciá-lo, mais saciando-o, irritá-lo
Com nova insaciedade até sangrar teu senso.

Suas boca e mãos os jogos de repôr sabiam
Desejos que seguir te doía a exausta espinha.
Às vezes parecia-te vazio tudo
A cada novo arranco de chupado cio.
Então novos caprichos convocava ainda
À de teus nervos, carne, e tombavas, tremias
Nos teus coxins, o imo sentido aquietado.

...

E de pensar, essa luxúria que é
memória de luxúria revive e toma-Lhe os sentidos p´la mão,
desperta a carne ao toque,
E tudo é outra vez o que era dantes.
No leito o corpo morto se soergue e vive
E vem com el´ deitar-se, junto, muito junto,
E uma invisível mão e rastejante e sábia
A cada uma do corpo entrada da luxúria
Vai murmurar carícias que se esvaem, mas
Se demoram que sangre a derradeira fibra.
Oh doces, cruéis da Párthia fugitivas!

Assim um pouco se ergue, olhando o amante
Que ora não pode amar senão o que se ignora.
Vagamente, mal vendo o que comtempla tanto,
Perpassa os frios lábios pelo corpo todo.
E tão de gelo insensos são os seus lábios que, ai!
Mal à morte lhe sabe o frio do cadáver,
E é qual mortos ou vivos que ambos foram
E amar inda é presença e é motor.
Na dos do outro incúria fria os lábios param
O hálito ausente aí recorda-lhe a seus lábios
Que de pra lá dos deuses uma névoa veio
Entre ele e o jovem. Mas as pontas de seus dedos,
Ainda ociosas perscrutando o corpo, aguardam
Uma reacção da carne ao despertante jeito.
Mas não é compreendida essa de amor pergunta:
É morto o deus que era seu culto o ser beijado!

Levanta a mão pra onde o céu estaria
E pede aos deuses mudos que sua dor lhe saibam.
Que a súplica lhe atendam vossas faces calmas,
Oh poder´s outorgantes! Dá em troca o reino
Nos desertos quietos viverá sequioso,
Nos longes trilhos bárbaros mendigo ou escravo,
Mas a seus braços quente o jovem devolvei!
Renunciai ao espaço que entendeis seu túmulo!

Tomai da terra a graça feminina toda
E num lixo de morte o que restar vertei!
Mas, pelo doce Ganímedes, distinguido
Por Jove acima de Hebe para encher-lhe
A taça nos festins e pra instilar
O amor de amigos que enche o vácuo do outro,
O nó de amplexos femininos resolvei
Em poeira, oh pai dos deuses, mas poupai o jovem
E o alvo corpo e o seu cabelo de oiro!
Ganímedes melhor talvez tu pressentiste
Seria acaso, e por inveja essa beleza
Dos braços de Adriano para os teus roubaste.

Era um gato brincando co´a luxúria,
A de Adriano e a sua própria, às vezes um
E às vezes dois, ora se unindo, ora afastado;
A luxúria largando, ora o àpice adiando;
Ora fitando-a não de frente mas de viés
Ladeando o sexo que semi não espera;
Ora suave empolgado, ora agarrando em fúria,
Ora brinca brincando, agora a sério, ora
Ao lado da luxúria olhando-a, agora espiando
O modo de tomá-la no aparar da sua.

Assim as horas se iam das mãos dadas de ambos,
E das confusas pernas momentos resvalam.
Seus braços folhar mortas, ou cintas de ferro;
Agora os lábios taças, agora o que liba;
Olhos fechados por de mais, de mais fitantes;
Ora o vai-vém frenético operando;
Ora suas artes pluma, ora um chicote.

Viveram esse amor como religião
Oferta a deuses que, em pessoa, aos homens descem.
Às vezes adornado, ou feito enfiar
Meias vestes, então numa nudez de estátua
Imitava algum deus que de homem ser parece
Pela do mármore virtude exacta.
Agora Vénus era, alva dos mar´s saindo:
E agora Apolo ele era, jovem e dourado;
E agora Júpiter julgando em troça
A presença a seus pés do escravizado amante;
Agora agido de rito, por alguém seguido,
Em mistérios que são sempre repostos.

Agora é algo que qualquer ser pode.
Oh, crua negação da coisa que é!
Oh de aurea coma sedução fria de lua!
Fria de mais! De mais! E amor como ela frio!
O amor pelas memórias do amor seu vagueia
Como num labirinto, alegre, louco, triste,
E ora clama o seu nome e lhe pede que venha,
E ora sorrindo está à sua imagem-vinda
Que está no coração quais rostos na penumbra,
Meras luzentes sombras das formas que tinham...

...

Erguer-te-ei uma estátua que será
Prova, para o contínuo das futuras eras,
Do meu amor, tua beleza e do sentido
Que à divindade p´la beleza é dado.
Que a Morte com subtis mãos desnudantes tire
A nosso amor as vestes do império e da vida,
Ainda a dele estátua que só tu inspiras,
As futuras iades, quer queiram, quer não,
Hão-de, qual dote por um deus imposto,
Inevitavelmente herdar.

...

Como o amante que agurada, assim ele ia de
Canto a canto do em dúvida confuso de espírito.
Ora sua esperança um grande intento era
De que o anseio fosse, ora ele cego se
Sentia algures no visto indefinido anseio.
Se o amor conhece a morte, que sentir se ignora.
Se a morte frustra amor, que saber não sabemos.
A dúvida esperava, ou duvidava a esp´rança;
Ora o de sonhar senso ao que sonhava anseio
Escarnecia e congelava em vácuo
De novo os deuses sopram a mortiça brasa.

A tua morte deu-me alta luxúria mais
Um carnal cio em raiva por eternidade.
No meu imperial fado a confiança ponho
Que os altos deuses, por quem César fui,
Não riscarão de vida mais real
Meu voto de que vivas para sempre e sejas
Na deles melhor terra uma carnal presença,
Amável mais, mais amorável não, pois lá
Não coisas impossíveis nossos votos jaçam
Nem corações nos ferem com a mudança e tempo.

Amor, amor, Oh, meu amor! Já és um Deus.
Minha esta ideia, que por voto eu tomo,
Voto não é, mas vista que me é permitida
Pelos grãos deuses, que amor amam e dar podem
A corações mortais, sob a forma de anseios,
De anseios que alvos têm indescobertos,
Uma visão reais coisas para além
De nossa vida em vida aprisionada, nosso sentido no sentido preso
Ai, o que anseio que tu sejas, és tu já.
Pois já o Olimpo o território tu pisaste e és perfeito, sendo tu embora
Pois excesso de ti não precisas vestir
Perfeito para ser, a perfeição que és.

...

Amor, meu amor-deus! Que eu beije, em frios teus
Lábios, teus quentes lábios imortais agora,
Saudando-te beato nos portais da Morte.
Pois que pra deuses são portais da Vida.

...

E aqui, memória ou estátua, ficaremos
O mesmo um só, qual de mãos dadas éramos
Nem as mãos se sentiam por sentir sentir.
Ver-me-ão os homens quando o que és entendam.
Podiam ir-se os deuses, no vasto rodar
Das curvas eras. Só por ti apenas,
Que, um deles, no ido bando houveras ido,
Viriam, qual dormissem, para despertar

...

E se a nossa memória a pó se reduzisse,
Uma divina raça do fim das idades
Nossa unidade dual ressuscitava.

Ainda chovia. Em leves passos veio a noite
Fechando as pálpebras cansadas dos sentidos.
A mesma consciência de eu e de alma
Tornou-se, qual paisagem vaga em chuva, vaga.
O Imperador imóvel jaz, e tanto que
Semiesqueceu onde ora jaz, ou de onde vem
A dor que era inda sal nos lábios seus.
Algo distante fora tudo: um manuscrito
Que se enrolou. E o que sentira a fímbria era
Que halo é em torno à lua quando a noite chora.

A cabeça pousava sobre os braços, estes
No baixo leito, alheios a senti-lo, estavam.
Os seus olhos fechados cria abertos, vendo
O nu chão negro, frio, triste, sem sentido.
Doer-lhe o respirar tudo era que sabia.
Do tombante negrume o vento ergueu-se
E tombou; lá no pátio ecoou uma voz;
E o Imperador dormia...
Os deuses vieram....
E algo levaram, qual não senso sabe,
Em braços de poder e de repouso invisos.

(poesia originalmente escrita em inglês, tradução de Jorge de Sena)
(fonte)


Original:

Antínoo, Antinous, um poema de Fernando Pessoa
Capa da publicação original
ANTINOUS
Fernando Pessoa

The rain outside was cold in Hadrian’s soul.

The boy lay dead
On the low couch, on whose denuded whole,
To Hadrian’s eyes, whose sorrow was a dread,
The shadowy light of Death’s eclipse was shed.

The boy lay dead, and the day seemed a night
Outside. The rain fell like a sick affright
Of Nature at her work in killing him.
Memory of what he was gave no delight,
Delight at what he was was dead and dim.

O hands that once had clasped Hadrian’s warm hands,
Whose cold now found them cold!
O hair bound erstwhile with the pressing bands!
O eyes half-diffidently bold!
O bare female male-body such
As a god’s likeness to humanity!
O lips whose opening redness erst could touch
Lust's seats with a live art's variety!
O fingers skilled in things not to be told!
O tongue which, counter-tongued, made the blood bold!
O complete regency of lust throned on
Raged consciousness’s spilled suspension!

These things are things that now must be no more.
The rain is silent, and the Emperor
Sinks by the couch. His grief is like a rage,
For the gods take away the life they give
And spoil the beauty they made live.
He weeps and knows that every future age
Is looking on him out of the to-be;
His love is on a universal stage;
A thousand unborn eyes weep with his misery.

Antinous is dead, is dead for ever,
Is dead for ever and all loves lament.
Venus herself, that was Adonis’ lover,
Seeing him, that newly lived, now dead again,
Lends her old grief’s renewal to be blent
With Hadrian’s pain.

Now is Apollo sad because the stealer
Of his white body is for ever cold.
No careful kisses on that nippled point
Covering his heart-beats’ silent place restore
His life again to ope his eyes and feel her
Presence along his veins Love’s fortress hold.
No warmth of his another’s warmth demands.
Now will his hands behind his head no more
Linked, in that posture giving all but hands,
On the projected body hands implore.

The rain falls, and he lies like one who hath
Forgotten all the gestures of his love
And lies awake waiting their hot return.
But all his arts and toys are now with Death.
This human ice no way of heat can move;
These ashes of a fire no flame can burn.

O Hadrian, what will now thy cold life be?
What boots it to be lord of men and might?
His absence o’er thy visible empery
Comes like a night,
Nor is there morn in hopes of new delight.
Now are thy nights widowed of love and kisses;
Now are thy days robbed of the night’s awaiting;
Now have thy lips no purpose for thy blisses,
Left but to speak the name that Death is mating
With solitude and sorrow and affright.

Thy vague hands grope, as if they had dropped joy.
To hear that the rain ceases lift thy head,
And thy raised glance take to the lovely boy.
Naked he lies upon that memoried bed;
By thine own hand he lies uncoverèd.
There was he wont thy dangling sense to cloy,
And uncloy with more cloying, and annoy
With newer uncloying till thy senses bled.

His hand and mouth knew games to reinstall
Desire that thy worn spine was hurt to follow.
Sometimes it seemed to thee that all was hollow
In sense in each new straining of sucked lust.
Then still new turns of toying would he call
To thy nerves’ flesh, and thou wouldst tremble and fall
Back on thy cushions with thy mind’s sense hushed.

»Beautiful was my love, yet melancholy.
He had that art, that makes love captive wholly,
Of being slowly sad among lust’s rages.
Now the Nile gave him up, the eternal Nile.
Under his wet locks Death’s blue paleness wages
Now war upon our wishing with sad smile.«

Even as he thinks, the lust that is no more
Than a memory of lust revives and takes
His senses by the hand, his felt flesh wakes,
And all becomes again what ’twas before.
The dead body on the bed starts up and lives
And comes to lie with him, close, closer, and
A creeping love-wise and invisible hand
At every body-entrance to his lust
Whispers caresses which flit off yet just
Remain enough to bleed his last nerve’s strand,
O sweet and cruel Parthian fugitives!

So he half rises, looking on his lover,
That now can love nothing but what none know.
Vaguely, half-seeing what he doth behold,
He runs his cold lips all the body over.
And so ice-senseless are his lips that, lo!,
He scarce tastes death from the dead body’s cold,
But it seems both are dead or living both
And love is still the presence and the mover.
Then his lips cease on the other lips’ cold sloth.

Ah, there the wanting breath reminds his lips
That from beyond the gods hath moved a mist
Between him and this boy. His finger-tips,
Still idly searching o’er the body, list
For some flesh-response to their waking mood.
But their love-question is not understood:
The god is dead whose cult was to be kissed!

He lifts his hand up to where heaven should be
And cries on the mute gods to know bis pain.
Let your calm faces turn aside to his plea,
O granting powers! He will yield up his reign.
In the still deserts he will parchèd live,
In the far barbarous roads beggar or slave,
But to his arms again the warm boy give!
Forego that space ye meant to be his grave!

Take all the female loveliness of earth
And in one mound of death its remnant spill!
But, by sweet Ganymede, that Jove found worth
And above Hebe did elect to fill
His cup at his high feasting, and instil
The friendlier love that fills the other’s dearth,
The clod of female embraces resolve
To dust, o father of the gods, but spare
This boy and his white body and golden hair!
Maybe thy better Ganymede thou feel’st
That he should be, and out of jealous care
From Hadrian’s arms to thine his beauty steal’st.

He was a kitten playing with lust, playing
With his own and with Hadrian’s, sometimes one
And sometimes two, now linking, now undone;
Now leaving lust, now lust’s high lusts delaying;
Now eying lust not wide, but from askance
Jumping round on lust’s half-unexpectance;
Now softly gripping, then with fury holding,
Now playfully playing, now seriously, now lying
By th’ side of lust looking at it, now spying
Which way to take lust in his lust’s withholding.

Thus did the hours slide from their tangled hands
And from their mixèd limbs the moments slip.
Now were his arms dead leaves, now iron bands;
Now were his lips cups, now the things that sip;
Now were his eyes too closed and now too looking;
Now were his uncontinuings frenzy working;
Now were his arts a feather and now a whip.

That love they lived as a religion
Offered to gods that come themselves to men.
Sometimes he was adorned or made to don
Half-vestures, then in statued nudity
Did imitate some god that seems to be
By marble’s accurate virtue men's again.
Now was he Venus, white out of the seas;
And now was he Apollo, young and golden;
Now as Jove sate he in mock judgement over
The presence at his feet of his slaved lover;
Now was he an acted rite, by one beholden,
In ever-repositioned mysteries.

Now he is something anyone can be.
O stark negation of the thing it is!
O golden-haired moon-cold loveliness!
Too cold! too cold! and love as cold as he!
Love through the memories of his love doth roam
As through a labyrinth, in sad madness glad,
And now calls on his name and bids him come,
And now is smiling at his imaged coming
That is i’th’ heart like faces in the gloaming –
Mere shining shadows of the forms they had.

The rain again like a vague pain arose
And put the sense of wetness in the air.
Suddenly did the Emperor suppose
He saw this room and all in it from far.
He saw the couch, the boy, and his own frame
Cast down against the couch, and he became
A clearer presence to himself, and said
These words unuttered, save to his soul’s dread:

»I shall build thee a statue that will be
To the continued future evidence
Of my love and thy beauty and the sense
That beauty giveth of divinity.
Though death with subtle uncovering hands remove
The apparel of life and empire from our love,
Yet its nude statue, that thou dost inspirit,
All future times, whether they will’t or not,
Shall, like a gift a forcing god hath brought,
Inevitably inherit.

Homossexualidade na Roma Antiga - Estátua de Antínoo, Antinous
»Ay, this thy statue shall I build, and set
Upon the pinnacle of being thine, that Time
By its subtle dim crime
Will fear to eat it from life, or to fret
With war’s or envy’s rage from bulk and stone.
Fate cannot be that! Gods themselves, that make
Things change, Fate’s own hand, that doth overtake
The gods themselves with darkness, will draw back
From marring thus thy statue and my boon,
Leaving the wide world hollow with thy lack.

»This picture of our love will bridge the ages.
It will loom white out of the past and be
Eternal, like a Roman victory,
In every heart the future will give rages
Of not being our love’s contemporary.

»Yet oh that this were needed not, and thou
Wert the red flower perfuming my life,
The garland on the brows of my delight,
The living flame on altars of my soul!
Would all this were a thing thou mightest now
Smile at from under thy death-mocking lids
And wonder that I should so put a strife
Twixt me and gods for thy lost presence bright;
Were there nought in this but my empty dole
And thy awakening smile half to condole
With what my dreaming pain to hope forbids.«

Thus went he, like a lover who is waiting,
From place to place in this dim doubting mind.
Now was his hope a great intention fating
Its wish to being, now felt he he was blind
In some point of his seen wish undefined.

When love meets death we know not what to feel.
When death foils love we know not what to know.
Now did his doubt hope, now did his hope doubt;
Now what his wish dreamed the dream’s sense did flout
And to a sullen emptiness congeal.
Then again the gods fanned love’s darkening glow.

»Thy death has given me a higher lust –
A flash-lust raging for eternity.
On mine imperial fate I set my trust
That the high gods, that made me emperor be,
Will not annul from a more real life
My wish that thou should’st live for e’er and stand
A fleshly presence on their better land,
More lovely yet not lovelier, for there
No things impossible our wishes mar
Nor pain our hearts with change and time and strife.

»Love, love, my love! thou art already a god.
This thought of mine, which I a wish believe,
Is no wish, but a sight, to me allowed
By the great gods, that love love and can give
To mortal hearts, under the shape of wishes –
Of wishes having undiscovered reaches –,
A vision of the real things beyond
Our life-imprisoned life, our sense-bound sense.
Ay, what I wish thee to be thou art now
Already. Already on Olympic ground
Thou walkest and art perfect, yet art thou,
For thou needst no excess of thee to don
Perfect to be, being perfection.

»My heart is singing like a morning bird.
A great hope from the gods comes down to me
And bids my heart to subtler sense be stirred
And think not that strange evil of thee
That to think thee mortal would be.

»My love, my love, my god-love! Let me kiss
On thy cold lips thy hot lips now immortal,
Greeting thee at Death’s portal’s happiness,
For to the gods Death’s portal is Life’s portal.

»Were no Olympus yet for thee, my love
Would make thee one, where thou sole god mightst prove,
And I thy sole adorer, glad to be
Thy sole adorer through infinity.
That were a universe divine enough
For love and me and what to me thou art.
To have thee is a thing made of gods’ stuff
And to look on thee eternity’s best part.

»But this is true and mine own art: the god
Thou art now is a body made by me,
For, if thou art now flesh reality
Beyond where men age and night cometh still,
’Tis to my love’s great making power thou owest
That life thou on thy memory bestowest
And mak’st it carnal. Had my love not held
An empire of my mighty legioned will,
Thou to gods’ consort hadst not been compelled.

»My love that found thee, when it found thee did
But find its own true body and exact look.
Therefore when now thy memory I bid
Become a god where gods are, I but move
To death’s high column’s top the shape it took
And set it there for vision of all love.

»O love, my love, put up with my strong will
Of loving to Olympus, be thou there
The latest god whose honey-coloured hair
Takes divine eyes! As thou wert on earth, still
In heaven bodyfully be and roam,
A prisoner of that happiness of home,
With elder gods, while I on earth do make
A statue for thy deathlessness’ seen sake.

»Yet thy true deadless statue I shall build
Will be no stone thing, but that same regret
By which our love’s eternity is willed.
One side of that is thou, as gods see thee
Now, and the other, here, thy memory.
My sorrow will make that men’s god, and set
Thy naked memory on the parapet
That looks upon the seas of future times.
Some will say all our love was but our crimes;
Others against our names the knives will whet
Of their glad hate of beauty’s beauty, and make
Our names a base of heap whereon to rake
The names of all our brothers with quick scorn.
Yet will our presence, like eternal Morn,
Ever return at Beauty’s hour, and shine
Out of the East of Love, in light to enshrine
New gods to come, the lacking world to adorn.

»All that thou art now is thyself and I.
Our dual presence has its unity
In that perfection of body which my love,
By loving it, became, and did from life
Raise into godness, calm above the strife
Of times, and changing passions far above.

»But since men see more with the eyes than soul,
Still I in stone shall utter this great dole;
Still, eager that men hunger by thy presence,
I shall to marble carry this regret
That in my heart like a great star is set.
Thus, even in stone, our love shall stand so great
In thy statue of us, like a god’s fate,
Our love’s incarnate and discarnate essence,
That, like a trumpet reaching over seas
And going from continent to continent,
Our love shall speak its joy and woe, death-blent,
Over infinities and eternities.

»And here, memory or statue, we shall stand,
Still the same one, as we were hand in hand
Nor felt each other’s hand for feeling feeling.
Men still will see me when thy sense they take.
The entire gods might pass in the vast wheeling
Of the globed ages. If but for thy sake,
That, being theirs, hadst gone with their gone band,
They would return, as they had slept to wake.

»Then the end of days when Jove were born again
And Ganymede again pour at his feast
Would see our dual soul from death released
And recreated unto joy, fear, pain –
All that love doth contain;
Life – all the beauty that doth make a lust
Of love’s own true love, at the spell amazed;
And, if our very memory wore to dust,
By some gods’ race of the end of ages must
Our dual unity again be raised.«

It rained still. But slow-treading night came in,
Closing the weary eyelids of each sense.
The very consciousness of self and soul
Grew, like a landscape through dim raining, dim.
The Emperor lay still, so still that now
He half forgot where now he lay, or whence
The sorrow that was still salt on his lips.
All had been something very far, a scroll
Rolled up. The things he felt were like the rim
That haloes round the moon when the night weeps.
His head was bowed into his arms, and they
On the low couch, foreign to his sense, lay.
His closed eyes seemed open to him, and seeing
The naked floor, dark, cold, sad and unmeaning.
His hurting breath was all his sense could know.
Out of the falling darkness the wind rose
And fell; a voice swooned in the courts below;
And the Emperor slept.
And the Emperor slept.The gods came now
And bore something away, no sense knows how,
On unseen arms of power and repose.



Antínoo
O poema Antinous, de Fernando Pessoa, foi escrito em 1915 e publicado pela primeira vez pelo seu autor em 1918, num opúsculo individual. Foi depois republicado em forma remodelada e definitiva em 1921, também por Pessoa, aparecendo em English Poems I-II, juntamente com Inscriptions, uma série de catorze epitáfios escritos dentro do espírito da Antologia Grega.

A publicação em simultâneo de Antinous (um longo poema erótico e andrófilo) e de Inscriptions podia ter tido a intenção de, por um lado, minimizar o efeito do poema e equilibrar o carácter chocante do primeiro conjunto com a seriedade e serenidade da série seguinte, justificando com as inscrições tumulares à maneira grega, o lado helênico que o poeta sempre associou à tendência sexual expressa no longo poema.

Finalmente, com o tema comum da morte e uma toada grave a ligar os dois conjuntos, Pessoa conferiu unidade a esta publicação.

Homossexualidade na Roma Antiga - Estátua de Antinous, Antínoo como Dioniso (séc. 2), Museu Altes, Berlim
Antínoo como Dioniso (séc. 2),
Museu Altes, Berlim
Este longo poema erótico de 361 versos em estrutura narrativa forma, com Epithalamium, igualmente um longo poema erótico com uma estrutura idêntica, um todo coerente e um caso único de pesquisa poética neste sentido, dentro da obra de Fernando Pessoa. Ambos faziam parte de um projeto do qual o poeta dá conta numa conhecida carta a João Gaspar Simões (de 18 de novembro de 1930), em que estas composições, segundo ele "os únicos poemas nitidamente obscenos", formariam com outras três "um pequeno livro que percorre o círculo do fenômeno amoroso". Pessoa designou esse "ciclo", que aqui se transcreve, como "imperial":

 "Assim temos: (1) Grécia, Antinous; (2) Roma, Epithalamium; (3) Cristandade, Prayer to a Woman’s Body; (4) Império Moderno, Pan-Eros;  (5) Quinto Império, Anteros.

Segundo o mesmo documento, os dois poemas teriam sido escritos intencionalmente para eliminar eventuais "elementos" de obscenidade que, "por pequeno que seja o grau em que existam, são um certo estorvo para alguns processos mentais superiores".

O poeta explica ainda mais adiante que "Antinous, que é grego quanto ao sentimento, é romano quanto à colocação histórica", insistindo na filiação grega do assunto em questão.

Realmente o tema do poema parte de uma realidade histórica que, desde a antiguidade clássica serviu de motivo para numerosas criações literárias e artísticas, pois a figura de Antínoo tornou-se, desde a sua morte, um símbolo e um ícone da jovem beleza masculina. O imperador romano Adriano, que viveu entre o ano 76 e 138 da nossa era e que foi, segundo a maioria dos historiadores, um bom governador e pacificador, foi igualmente um homem sensível, protector também das letras e das artes. Viajante incansável por dever e por prazer, conheceu numa dessas viagens um jovem bitínio que trouxe consigo, talvez como escravo, mas que passou a ser seu companheiro desde esse encontro, entre 123 e 130, data da sua morte por afogamento no Nilo, em mais uma viagem do imperador ao Egito. A morte de Antínoo, cujos contornos ficaram sempre indefinidos, mesmo na época, tornaram a história ainda mais excitante para investigadores, escritores e artistas que, ao longo dos últimos três séculos repetidamente voltaram a ela como tema recorrente de muitas obras.

Antínoo, Antinous, um poema de Fernando Pessoa
Assim Fernando Pessoa terá, desde cedo, tomado contato com o assunto e decidido escrever também sobre ele em 1915, data das grandes odes em nome de [Álvaro de] Campos.

Em Antinous, esteticamente superior a Epithalamium, tudo é estático e solene, nobre e apolíneo como convém a uma elegia fúnebre, obedecendo aos códigos estabelecidos para a ode esteticista, em voga neste período.

Ao contrário do Epithalamium, os versos vão-se sucedendo sem estrofes demarcadas a pontear o andamento da narrativa, mas o motivo da chuva, presente desde o primeiro verso, vai servindo de fundo e também de divisória às diferentes fases do discurso e aos núcleos narrativos em que o poema se divide. Assim, logo no primeiro verso, que aparece destacado do corpo do poema à maneira de uma introdução, o leitor é imediatamente situado na atmosfera em que decorre a narrativa e do sentimento predominante que vai definir o estado de espírito do protagonista: – Era em Adriano fria a chuva fora. O verso seguinte refere-se a Antínoo, seu companheiro e amante que, também em curtas palavras, é introduzido no cenário: – Jaz morto o jovem.

Este jovem, que dá o título ao poema e constitui o fulcro central de todo o desenvolvimento poético, funciona, não tanto como personagem principal, mas como objeto, objeto de amor, ao longo das várias sequências que percorrem os diferentes sentimentos e reações do imperador:

O choque e o confronto com a morte inesperada; a dor e a aceitação inevitável do visível; o imaginar da vida sem o amado; o longo rever e reviver da paixão; a memória dos pequenos e grandes prazeres de sensualidade e entrega; os jogos, o vício, o requinte desse amar sem limite; o desgosto, a raiva, a revolta até ao encontro de uma saída para a eternidade pela divinização. Entre os versos 179 e 341, numa gradação que vai do desalento à exaltação, processa-se o discurso do imperador.

Da saudade e do desejo lhe vem a ideia de divinizar para eternizar. Um amor imenso tem de ser imortal e pertencer a um corpo imortal. A presença em estátua do seu amante será uma estátua ao próprio amor, agora tornado amor-deus, amado e venerado por todos os que amam; será ainda torná-lo mais real e permanente, enganando a morte e desafiando os deuses.

Para o imperador o presente agora já não é só feito de memórias do passado mas projetado num futuro para além do tempo, numa fuga ao próprio tempo irreversível e ao destino mortal para converter, tempo e destino, na eternidade olímpica.

Jorge de Sena, Fernando Pessoa & Cª Heterónima, Lisboa, edições 70, 1984.

Nenhum comentário:

Desejo entre homens: cultura 'danshoku' e seu legado no Japão

 Do danshoku histórico ao boys' love de hoje, a especialista em cultura comparativa Saeki Junko examina aspectos da cultura homomascul...