No dia em que relembramos o fim do Batalhão Sagrado de Tebas em 2 de agosto de 338 AEC, veremos o que têm a ver uma batalha que determinou o destino do mundo, um exército de casais masculinos prontos a sacrificar-se um pelo outro, a majestosa estátua de um enorme leão erguida em eterna memória de sua bravura e uma ordem secreta vitoriana fundada para promover os direitos e a aceitação social dos homens que amam homens.
"Um batalhão que se mantém unido pela amizade entre amantes é indissolúvel e não deve se romper, pois os amantes têm vergonha de bancar os covardes diante de seus amados, e os amados diante de seus amantes, e ambos permanecem firmes no perigo para proteger um ao outro."
(General Pamenes de Tebas em Vida de Pelópidas, 18.2, de Plutarco)
Verão, 338 AEC. Numa planície estreita na Grécia central, dois exércitos de aproximadamente 30.000 a 35.000 homens cada estão frente a frente, prontos para travar uma batalha que decidiria o destino da Hélade e se tornaria um ponto de viragem na história antiga. O nome da planície é Queroneia e ali Filipe II, rei da Macedônia, desferiu um golpe decisivo na independência das cidades-estado gregas.
Sob este grande rei, o pequeno reino da Macedônia, com uma população maioritariamente pastoril, transformou-se numa formidável potência militar que conseguiu unir toda a Grécia, lançando assim as bases do futuro império que seria criado pelo filho de Filipe, Alexandre, o Grande. Um império que se estenderia da Grécia à Índia, abrangendo o Egito e todo o Império Persa.
Pode-se dizer que a cadeia de eventos que levou a este desenlace começou quando Filipe era jovem, refém na cidade de Tebas. O regente Ptolomeu de Aloros, assassino de seu irmão mais velho, o rei Alexandre II da Macedônia, enviou-o para lá com outros jovens nobres macedônios para garantir a paz e a aliança entre a Macedônia e Tebas. A cidade de Tebas estava então no seu auge do ponto de vista militar, conseguindo dominar o resto da Grécia mas sobretudo derrotar o poderoso exército de Esparta, considerado o mais bem treinado, quase invencível em batalha. Estas vitórias foram devidas às reformas e novas táticas militares implementadas por dois grandes líderes tebanos, Epaminondas e Pelópidas. Durante o cativeiro, que, reconhecidamente, não foi nada ruim, pois os prisioneiros foram alojados por boas famílias em Tebas, Filipe, que tinha um gênio militar e um espírito de aprendizagem e observação mesmo quando jovem, dos 14 aos 17 anos de idade também foi alojado e educado pelo grande general Pamenes. Filipe aprendeu com este último as tácticas militares que mais tarde iria melhorar e reorganizar o exército macedônio, conseguindo por sua vez dominar a Grécia e criar a base para as futuras conquistas de Alexandre, o Grande. Diz-se que Pamenes e o adolescente Filipe foram amantes nesse período, mas a única fonte que encontrei informando isso é a Enciclopédia Suda de por volta do ano 500 EC (ou seja, escrita quase 900 anos depois).Diz-se que Pamenes, um entusiasta do Batalhão Sagrado de Tebas, foi um grande defensor do amor (eros) entre dois homens, um mais velho, o mestre, e um mais jovem, o aprendiz. Este tipo de relacionamento não era reprovado na Grécia antiga, pelo contrário, em certas regiões, especialmente em Tebas, era até incentivado como método de educação e amadurecimento de jovens futuros cidadãos e combatentes. Por estas razões, afirmava-se que durante o período em que o adolescente Filipe esteve morando na casa de Pamenes, tal tipo de relacionamento se desenvolveu entre eles — mas a única fonte que encontrei informando isso é a Enciclopédia Suda de por volta do ano 500 EC, ou seja, escrita quase 900 anos depois. Assim, nunca saberemos o quão verossímil é essa parte da história. No entanto, é certo que Pamenes era um general e estadista valioso e Filipe se beneficiou plenamente do seu conhecimento.
O Batalhão Sagrado de Tebas
Segundo o antigo historiador Plutarco, o Batalhão Sagrado de Tebas era uma unidade de elite de 150 casais de amantes masculinos, baseado neste amor entre homens e na orientação do guerreiro mais jovem pelo mais velho. Plutarco nos conta que foi fundado por Górgidas em 379 AEC, quando Tebas se livrou da ocupação espartana. No entanto, Diodoro Sículo atesta a existência do Batalhão Sagrado já em 424 AEC. Parece, no entanto, que foi Górgidas quem reorganizou a unidade e a tornou famosa ao utilizar, para além das tácticas militares inovadoras e da bravura dos seus combatentes, uma arma secreta: o amor. Segundo Plutarco “Alguns dizem que este sistema foi criado por amantes e companheiros”, uma unidade militar baseada no amor e na amizade entre os dois amantes torna impossível o abandono das armas durante a batalha. Estes lutarão tenazmente até a morte para proteger seu companheiro e caso um deles morra, o outro lutará até a morte para defender o corpo do caído. Além disso, nenhum deles iria querer envergonhar o outro mostrando covardia durante a luta. Não apenas Plutarco, mas também muitos outros historiadores antigos apoiam esta teoria e muitos mencionam frequentemente Tebas como uma das cidades-estado da Grécia antiga onde as relações amorosas entre homens guerreiros eram incentivadas.
É certo que o Batalhão Sagrado foi a tropa de assalto e o principal fator nas derrotas decisivas sofridas pelos lendários hoplitas espartanos, sendo o exército de Tebas o único a chegar perto do de Esparta, que nenhum exército ousara ameaçar até então.
A Batalha de Queroneia
No entanto, tudo terminou nesta batalha fatídica em 338 AEC. Filipe, já Filipe II da Macedônia, formou um reino formidável e um exército que começou a obter uma vitória após a outra, e começou a se envolver nos assuntos e nas guerras das cidades-estado gregas, especialmente nos conflitos relativos ao Oráculo de Delfos. Quando Filipe ocupou inesperada e facilmente a cidade de Anfissa e depois chegou à cidade de Elatea, a três dias de marcha de Atenas, os cidadãos de Atenas entraram em pânico e enviaram Demóstenes, o famoso orador e fanático anti-macedônio, para Tebas. Ele conseguiu convencer os tebanos a se juntarem à aliança formada contra Filipe. Assim, os exércitos unidos de Atenas, Tebas e outras cidades que apoiavam a causa comum partiram ao encontro das falanges macedônias na planície de Queroneia.
[Nota: Demóstenes foi acusado por seu grande rival, o estadista e orador Ésquines, de ser um péssimo erastes (amante) de seus eromenoi (amados), em supostos escândalos como fazerem sexo junto com a esposa de Demóstenes, enriquecimento ilícito e até acobertamento de homicídio. Entre os jovens amados de Demóstenes conhecem-se Arístion, Cnósion e seu pupilo Aristarco.]
Mais uma vez, a batalha destacou o gênio militar de Filipe. Ele se colocou no flanco direito, à frente de alguns combatentes de elite macedônios, chamados hipaspistas (hypaspistai, "portadores de escudos"). Aparentemente, esta unidade estava armada ao estilo dos hoplitas e desempenhou um papel fundamental na proteção do flanco da pesada falange macedônia. Filipe e os hipaspistas enfrentavam o corpo de combate ateniense, que, embora tivesse o moral elevado, carecia de experiência em combate. No centro, colocou o orgulho do exército macedônio e a inovação vencedora de Filipe, a falange. Esta era uma unidade de combate formidável composta por milhares de soldados altamente treinados e disciplinados movendo-se em uníssono em formação compacta. A sua principal arma era a "sarissa", uma lança de 5 a 6 metros de comprimento, pesando cerca de 8 quilos. Para ser manuseado com relativa facilidade, possuía um contrapeso na ponta oposta e, por exigir o uso das duas mãos, o escudo era significativamente menor que o dos hoplitas. O resto da armadura, especialmente para as fileiras da frente, consistia em uma placa para o peito, um elmo do tipo frígio/trácio com protetores de bochecha em forma de barba e/ou bigode e cnêmides (grevas) de bronze para as pernas. Eles foram colocados em 16 fileiras, as 5 primeiras entrando em contato com o inimigo e as demais sendo levantadas como proteção contra as ondas de projéteis lançados contra eles. No flanco esquerdo colocou a cavalaria liderada por seu filho, de apenas 18 anos, o príncipe Alexandre, futuro "o Grande".
Filipe iniciou o ataque contra os atenienses, que reagiram fortemente, repelindo-o e forçando os hipaspistas a recuar de forma ordenada. Um dos generais atenienses, Estratóclis (Stratoklis), ganhou confiança e liderou os seus soldados para atacar gritando "Es Makedonían" ("Pra Macedônia!"), ou seja, enxotar os macedônios de volta para a Macedônia [N/T: Faz poucos anos brasileiros estúpidos similarmente berravam "Volta pra Cuba" para médicos cubanos trabalhando aqui]. Mas a retirada foi na verdade uma armadilha preparada por Filipe. Ao avançar, os atenienses quebraram o alinhamento de todo o exército, criando assim uma lacuna entre eles e o centro defendido pelos tebanos. Este espaço foi rapidamente explorado por Alexandre, que investiu nele sua cavalaria pesada, criando pânico entre os tebanos e forçando-os a recuar. Os únicos que se mantiveram firmes — e foram mortos até o último homem — foram os combatentes do Batalhão Sagrado. A batalha estava perdida para a aliança entre tebanos e atenienses. Muitos morreram e alguns se renderam, mas a maioria fugiu. Entre eles, o orador Demóstenes, que lutou como mero hoplita, mas que largou o escudo e fugiu ao ver que tudo estava perdido [N/T: Ele era um péssimo erastes mesmo...]. Filipe, satisfeito com a vitória, e desejando evitar o massacre dos seus adversários, com quem esperava fazer as pazes após a batalha, ordenou à cavalaria que não perseguisse os fugitivos.
Depois, ao visitar o campo de batalha, Filipe notou os hieroloquistas¹ do Batalhão Sagrado, mortos no mesmo local que defendiam, ainda firmes, mantendo suas linhas firmes mesmo na morte. Daí, com lágrimas nos olhos, ele disse:
"Pereça todo homem que suspeitar que estes homens fizeram ou sofreram algo vil."
O Leão de Queroneia
À entrada da atual aldeia de Queroneia, a cerca de 13 km da vila de Livadeia, é possível observar uma enorme estátua de leão colocada sobre uma imensa base de mármore. Quando Filipe, após obter a vitória, permitiu o sepultamento dos mortos, os tebanos ergueram o leão como monumento funerário para lembrar o heroísmo e o local onde foram sepultados os combatentes do Batalhão Sagrado. Escavações arqueológicas trouxeram à luz os esqueletos de 254 homens, muitos ainda de braços dados, e parte de seus equipamentos. O número de esqueletos aproxima-se do total de soldados que compunham o batalhão, 300, o que só pode ser mais uma prova de que este monumento lhes foi dedicado. O leão tem 3,80 metros de altura (sobre a base de 5 mestros, totalizando 8,8 metros de altura do monumento) e fica apoiado nas patas traseiras, de frente para o túmulo dos macedônios caídos, situado a cerca de 3 quilômetros de distância.O Leão de Queroneia foi montado com cinco peças de mármore. Com o passar do tempo e as intempéries, a base foi destruída e o leão, já despedaçado, ficou quase todo coberto de terra. Quando o Império Otomano ainda governava aquelas terras, o Sultão pediu que o leão fosse trazido para Constantinopla (hoje Istambul na Turquia), mas isso não foi feito devido às dificuldades de transporte. Lord Byron, o renomado poeta inglês, encontrou-o em pedaços e parcialmente enterrado quando estava a caminho de visitar o governante albanês Ali Pasha of Ioannina em 1809. Seu compatriota, o arquiteto George Ledwell Taylor, descobriu a cabeça durante uma escavação improvisada em 1818, mas o restante das peças permaneceram enterradas. Em 1834, após a libertação da Grécia do domínio otomano, discutiu-se a reabilitação do monumento, mas o projeto não avançou por falta de fundos necessários. Em 1879 foram feitas escavações arqueológicas que levaram à descoberta dos esqueletos dos combatentes, que haviam sido enterrados em sete fileiras na área envolvente ao monumento. Aparentemente, foram feitos esforços para enterrá-los na posição exata e no lugar exato em que lutaram e morreram (como mandava a tradição grega antiga quando um guerreiro morria em combate), cada amante com seu amado.
Em 1902, a restauração do monumento foi iniciada pelos renomados escultores gregos de Tinos, Lazaros Fytalis e Lazaros Sochos. O leão foi remontado a partir das peças encontradas e as peças que faltavam foram completadas com pedras trazidas da localidade vizinha, Livadeia. A base foi totalmente reconstruída, com 3 metros de altura. Os fundos para a restauração foram fornecidos pela Sociedade Arqueológica. Ou é o que dizem… mas talvez as coisas não tenham acontecido exatamente assim…
A Ordem de Queroneia
Livros de história, artigos e documentos oficiais tentam meticulosamente esconder um enorme “segredo”. O principal financiador da restauração do monumento do Leão de Queroneia foi uma sociedade secreta britânica da era vitoriana muito pouco conhecida, que pela sua natureza e pelo que defendia e representava determinou os moralistas e pudicos da época, bem como muitos ainda os de agora, a esconder a sua valiosa contribuição durante a restauração do antigo monumento.
A sociedade foi fundada em 1897 sob o nome de "Ordem de Queroneia" por George Cecil Ives. Ele foi escritor, poeta, reformador da justiça criminal e ativista dos direitos dos homossexuais. Convencido de que os homossexuais não seriam aceitos abertamente pela sociedade, criou a Ordem de Queroneia para apoiar a "Causa" (como ele chamava o combate à opressão contra os que amam o mesmo sexo) e criar uma rede de ajuda e socialização para os membros. E isto numa altura em que as relações entre pessoas do mesmo sexo eram puníveis com pesadas penas de prisão.
Embora não exista uma lista dos membros iniciados desta ordem, presume-se que o seu número não ultrapassou os 300, o número de combatentes do Batalhão Sagrado, na sua maioria homens, mas incluía também algumas mulheres. Alguns dos possíveis membros iniciados foram o famoso Oscar Wilde, seu amante e também o poeta Lord Alfred Douglas “Bosie”, o poeta e padre anglicano Samuel Elsworth Cottam, o poeta, professor e fotógrafo amador John Gambril Nicholson e Montague Summers, um escritor, professor, clérigo e ocultista.
O nome da ordem foi obviamente inspirado na batalha onde foram massacrados os amantes masculinos que formavam o Batalhão Sagrado, a insígnia da ordem era o Leão de Queroneia e o ano zero da ordem foi considerado o ano da batalha, 338 AEC — assim, o corrente ano de 2024 seria 2362 (2024+338), segundo o calendário da ordem, ou melhor, C.2362 (o "C" referencia Chaeronea, "Queroneia", o que quer dizer que em português se escreveria Q.2362).
Após a iniciação na Ordem, era feito um juramento que especulava, entre outras coisas, que “você nunca molestará ou perseguirá amantes” e “que todo amor verdadeiro será para você como um santuário”.
Os iniciados usavam códigos, senhas e símbolos e se reuniam em rituais que seguiam cerimônias específicas com objetivos e filosofias específicas. Para cumprir as condições de iniciação, cada candidato deveria demonstrar zelo, vontade de aprender e disciplina. Como qualquer outra ordem iniciática, seus membros foram proibidos de revelar qualquer informação sobre a ordem ou sobre seus demais membros. Todos os membros eram considerados iguais e autodenominavam-se “Irmãos da Fé” e o propósito não era ser usado como uma oportunidade para reuniões com fins sexuais, mas para a promoção internacional da Causa e o cultivo de um ethos moral, ético, cultural e espiritual homoerótico, que levará ao enfraquecimento da rígida sociedade de classes e ao estabelecimento da verdadeira democracia.
Em 2023, um artefato extremamente raro foi descoberto numa pequena aldeia em Norfolk, Inglaterra: um anel de sinete da Ordem que continha, entre outros símbolos, a palavra-passe secreta “AMRRHAO”, o ano da batalha de Queroneia, 338, e as iniciais "ZLD" das palavras elementares para pertencimento à ordem, "Zeal, Learning, Discipline" ("Zelo, Aprendizagem, Disciplina").
Considerando que as fontes internacionais de informação sobre esta ordem e sobre o seu contributo para o financiamento do restauro do monumento do Leão de Queroneia, um dos monumentos mais importantes e antigos do território da Grécia, são extremamente limitadas, e as da Grécia, o país que se beneficiou diretamente desta restauração, são inexistentes, parece que, afinal, Ives tinha razão. A sociedade não conseguia nos aceita naquela época e aparentemente não consegue nos aceitar ainda hoje.
Fonte (com acréscimos)
NOTA:
1 - Hieroloquistas: Membros de um Hierós Lókhos, "Batalhão Sagrado" em grego.
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