Aviso aos nossos inimigos:

"Pereçam miseravelmente aqueles que pensam que estes homens fizeram ou sofreram algo vergonhoso." (Filipe II da Macedônia sobre o Batalhão Sagrado de Tebas, o Exército de Amantes)

13 agosto 2024

Livro 'Os Gregos e o Amor Grego', de James Davidson

The Greeks and Greek Love, by James Davidson (Ares Borghese)

 James Davidson combate o senso comum de relacionamentos homossexuais temporários e predatórios focados em sexo com menores atribuído a vários autores modernos quando tratam do amor grego, destacando, ao contrário, o amor.

Fascinante, embora excessivamente longo (com 832 páginas), The Greeks and Greek Love: A Bold New Exploration of the Ancient World ("Os Gregos e o Amor Grego: Uma Nova Exploração Ousada do Mundo Antigo" numa tradução livre), de James Davidson, é escrito em parte como um contra-ataque ao clássico Greek Homosexuality ("Homossexualidade Grega") de 1978, de Kenneth Dover, que tem sido profundamente influente nos estudos culturais contemporâneos. Dover argumentava que as relações do mesmo sexo entre homens na Grécia antiga focavam em sodomia (penetração anal) e que o papel de submissão era profundamente humilhante. Em contraste, o parceiro agressivo ou dominante poderia envolver-se livremente em qualquer quantidade de sexo episódico, sem consequências graves para a sua carreira ou reputação.

The Greeks and Greek Love, by James Davidson (Ares Borghese)

Para Davidson, professor de clássicos e história na Universidade de Warwick na Inglaterra, este modelo deixa muito a desejar e ignora um facto importante: o amor real, a devoção de um casal um pelo outro. Ele sublinha que Dover — e os seus seguidores, entre os quais Michel Foucault – propuseram uma visão de eros (desejo amoroso) que ignora o afeto e a verdadeira parceria. “Ao equiparar estar apaixonado a fazer sexo, ao confundir sexo grego com Amor Grego, um casal paquerando com um casal numa relação, Dover não só sexualizou o eros apaixonado, mas fez com que as relações homossexuais parecessem intrinsecamente impermanentes e, pelo mesmo motivo, triviais." Embora Davidson nunca o diga abertamente, The Greeks and Greek Love valida tacitamente o casamento moderno entre pessoas do mesmo sexo, tal como o estudo mais antigo de Dover parece agora reflectir a era pré-AIDS de sexo casual promíscuo.

Ares Borghese
Na primeira seção de seu livro, Davidson concentra-se no significado da terminologia erótica grega e nos costumes sexuais atenienses. Seu texto inicial é O Simpósio, o clássico diálogo de Platão sobre o amor. Em particular, ele se concentra nos discursos de Pausânias, que descreve o elaborado ritual de namoro ateniense entre admirador (erastes) e admirado (eromenos). Aqui Davidson derruba a visão típica do amor grego como uma espécie de pedofilia, um homem mais velho (o erastes) forçando suas atenções brutais a um menino (o eromenos). [N/T: Pausânias foi erastes do famoso poeta trágico ateniense Agaton, também presente no Simpósio de Platão, com quem teve uma relação possivelmente até o fim da vida, ao contrário do que convencionalmente se esperava de uma relação pederástica em Atenas.]

Na verdade, os filhos do sexo masculino de uma família eram cuidadosamente protegidos na sociedade ateniense, e era tabu para qualquer homem não relacionado conversar em particular com eles. Em vez disso, os casos de amor sancionados centravam-se não nos púberes, mas nos jovens de 18 ou 19 anos, rapazes que não eram nem meninos nem adultos de pleno direito. Davidson chama esse grupo de "striplings" (palavra em inglês para "homens jovens", "efebos" [N/T: em Atenas, efebos eram rapazes de 18 a 20 anos de idade, quando adentravam treinamento militar compulsório e geralmente eram esperados entrar em um relacionamento pederástico com um homem alguns anos mais velho normalmente abaixo dos 30]). Como a puberdade parecia começar quatro ou cinco anos mais tarde do que normalmente acontece hoje, estes jovens ainda estariam atraentemente sem barba — os homens gregos não aparavam os pêlos faciais — e no auge da sua beleza masculina. Seus devotos eram geralmente apenas alguns anos mais velhos do que eles e muitas vezes se comportavam como um fã-clube moderno. Em vez de serem agressores, grupos de apaixonados erastai (plural de erastes) essencialmente adorariam um jovem galã à distância, escrevendo poemas, suspirando pesadamente e frequentemente oferecendo presentes.

Ares Borghese
Nesse sistema grego, explica Davidson, o eros corria em uma direção: o admirador apaixonado, que "simplesmente não consegue se conter", fazia todo o trabalho enquanto o amado difícil de conseguir mantinha distância e aparente indiferença. Ainda assim, em última análise, cabia ao eromenos a decisão de favorecer algum homem em particular. Para os gregos, esse favorecimento (charizesthai) tinha de evitar até a mera sugestão de quid pro quo ("algo em troca de algo") ou mercantilização: trocar sexo por dinheiro ou vantagem política era prostituição, e essa mácula destruiria uma vida inteira. Em vez disso, tudo deveria ser construído sobre uma espécie de doação graciosa. Com sorte, poderia resultar em philia, "amor íntimo", um vínculo verdadeiro. Em suma, o curso do amor do mesmo sexo era altamente formalizado, geralmente culminando em rituais que se parecem muito com cerimônias de casamento. Muitas vezes, conclui Davidson, os homens andrófilos gregos viviam toda a sua vida como casais comprometidos e fiéis, como os mencionados Pausânias e Agaton.

Na seção intermediária de seu livro, Davidson examina e analisa alguns dos modelos literários e mitológicos de relacionamentos do mesmo sexo disponíveis para os gregos do século V AEC. Entre eles estão Aquiles e Pátroclo, Apolo e Jacinto, Zeus e Ganimedes (cujo nome nos deu a palavra "catamito"), Hércules e seu companheiro de aventuras Iolaus, e Alexandre, o Grande, e seu general Heféstion. Também aqui Davidson sublinha que existiam diferentes "homossexualidades" nas várias cidades-estado gregas: rituais elaborados de rapto com a duração de dois meses em Creta, o Batalhão Sagrado de Tebas (uma elite guerreira composta por casais masculinos) e protocolos sexuais espartanos austeros, incluindo uma forma bizarra de fazer amor em que o parceiro mais jovem permanece envolto da cabeça aos pés em sua capa.

Ares Borghese
Nos capítulos finais, Davidson resume sua compreensão do amor grego e tenta rastrear suas origens. Ele observa, por exemplo, que o ginásio ou campo de treinamento parece ser um elemento de fundo comum nas pinturas homoeróticas em vasos. Ele sugere que, quando aplicada aos homens, a palavra grega "kalos" (bonito) provavelmente não significava beleza, mas sim o "esplendor físico" musculoso apropriado para um grande guerreiro. Ele sublinha que, do ponto de vista cívico, um vínculo erótico entre dois homens poderia fortalecer — ou prejudicar — o Estado, ao cortar as lealdades habituais ao clã ou à classe.

Davidson conclui provisoriamente que o modelo do amor grego pode remontar à Idade do Bronze e, em particular, à guerra de bigas. Esta última era organizada como uma operação de dois homens, composta por um condutor e um lanceiro, que precisavam trabalhar juntos, em estreita colaboração. Talvez esta tradição explique parcialmente a frequente analogia que compara a alma amorosa a uma carruagem atrelada a cavalos indisciplinados.

Davidson também pode ser ele mesmo deliciosamente indisciplinado, misturando estilos altos e baixos, apoiando seus pontos acadêmicos sérios com floreios humorísticos e até exagerados.

James Davidson escolheu o título de seu livro com cuidado. Trata-se realmente de amor, de philia de longo prazo, e não apenas de luxúria temporária. Como ele diz com contundência epigramática:

“Aqueles que se preocupam apenas com sexo dão má fama à homossexualidade.”

Fonte

Apresentação na página do livro na Amazon (onde você pode ler um trecho do capítulo 1 [em inglês]):

Durante quase dois mil anos, os historiadores trataram o tema da homossexualidade na Grécia antiga com desculpas, constrangimento ou negação total. Agora, o estudioso de clássicos James Davidson oferece uma exploração brilhante e descarada da paixão que permeou a civilização grega. Usando a homossexualidade como lente, Davidson lança uma nova luz sobre todos os aspectos da cultura grega, desde a política e religião até à arte e à guerra. Com uma erudição impressionante e uma inteligência irresistível — e sem julgamento moral — Davidson escreveu o primeiro grande exame da homossexualidade na Grécia antiga desde o surgimento do movimento moderno pelos direitos homoafetivos.

Ares Borghese (rear view, vista de trás)
O que exatamente significava o amor do mesmo sexo numa cultura que não tinha nenhuma palavra ou conceito comparável ao nosso termo “homossexualidade”? Quão sexuais eram esses apegos? Quando os gregos falavam do amor entre homens e garotos, quão jovens eram os garotos, quão mais velhos eram os homens? Baseando-se em exemplos de filosofia, poesia, peças de teatro, história e pintura de vasos, Davidson fornece respostas fascinantes a questões que incomodaram estudiosos por gerações. Para começar, ele define as palavras gregas essenciais para o amor romântico — eros, pothos, philia — e explora as nuances de emoção e paixão incorporadas em cada uma delas. Depois, destruindo o mito do “amor por meninos” grego, Davidson mostra que os pares gregos do mesmo sexo eram, na verdade, muitas vezes da mesma geração, com rapazes com menos de dezoito anos zelosamente separados de rapazes e homens mais velhos.

Davidson argumenta que a essência da homossexualidade grega era a “obsessão/paixão cega” — pirar na batatinha e “fazer uma grande canção e dançar sobre isso”, embora o sexo certamente não fosse excluído. Com franqueza refrescante, humor e um surpreendente domínio da cultura grega, Davidson examina como essa paixão se manifestava nos mitos de Ganimedes e Céfalo, na vida de heróis gregos arquetípicos como Aquiles, Hércules e Alexandre, na política de Atenas. e no exército de amantes que defendiam Tebas. Ele considera as peculiaridades sexuais de Esparta e Creta, a lenda e a verdade em torno de Safo de Lesbos e a relação entre atletismo grego e sexualidade.

Escrevendo com a energia, vitalidade e ironia que o assunto merece, Davidson elucidou a paixão dominante da antiguidade clássica. Em última análise, The Greeks and Greek Love é sobre como o desejo — homossexual e heterossexual — é incorporado na civilização humana. Ao mesmo tempo acadêmico e divertido, este é um livro que lança tanta luz sobre o nosso mundo quanto sobre o mundo de Homero, Platão e Alexandre.

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