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07 fevereiro 2023

Lancelot e Galehaut, amor entre cavaleiros

Lancelot e Galehaut
Lancelot e Galehaut, arte de Refrynn
A frase na faixa diz: "Eu gostaria de ser o dono do mundo para poder dá-lo a ele!"
 A Idade Média na Europa condenava violentamente as práticas homossexuais — mas algumas vezes os laços profundos entre homens podiam ser mais fortes: conheça a história de Galehaut, senhor da Ilhas Longínquas, que renunciou ao reino de Arthur por amor a Lancelot.

Galehaut
Brasão de Galehaut
O Príncipe Galehaut (ou Galahaut, Galehot, Gallehaut, Galhault, Galetto), cognomnado Galehout o Grande-Príncipe (Galehaut le Haut-Prince), é um cavaleiro meio-gigante e príncipe soberano na lenda arturiana. Ele é mais proeminente no ciclo de prosa Lancelot-Graal, onde é um nobre inimigo que se tornou aliado do Rei Arthur, bem como um amigo inseparável (e possível amante, de acordo com algumas interpretações do "Lancelot propre" do início do século XIII, do Ciclo da Vulgata) do campeão de Arthur, Lancelot. A figura de Galehaut (pronuncia-se algo como Galeô) não deve ser confundida com o filho de Lancelot, Galahad (que também é o nome de nascimento de Lancelot), e alguns outros personagens com nomes semelhantes.

Lenda

Galehaut, senhor das Ilhas Longínquas (le sire des Isles Lointaines), aparece pela primeira vez na Matéria da Bretanha na seção "Livro de Galehaut" do Lancelot Proper em Prosa do início do século XIII, a obra central da série de romances anônimos em prosa em francês antigo, conhecidos coletivamente como Lancelot-Grail (o Ciclo da Vulgata). Uma figura ambiciosa e imponente de um homem, ele emerge da obscuridade para desafiar o Rei Arthur pela posse do reino de Logres (na Matéria da Bretanha, este é o reino de Arthur, em vez de Camelot). Embora desconhecido para Arthur e sua corte, Galehaut já conquistou terras e adquiriu poder considerável, seguidores leais e uma reputação de valor pessoal e caráter nobre. Tanto o Ciclo da Vulgata quanto o Tristão em Prosa o descrevem como "o filho da Bela Gigante" (fils de la Bele Jaiande), que recebeu o nome de Bagotta em La Tavola Ritonda (um romance arturiano italiano do século XV escrito na língua toscana medieval), e o malévolo lorde Brunor, ambos os quais são posteriormente mortos por Tristão, que assume seu castelo no Tristão em Prosa. Galehaut também tem uma irmã, chamada Delice no Tristão em Prosa e Riccarda na versão italiana I Due Tristani ("Os Dois Tristãos").

Lancelot e Galehaut
Lancelote e Gallehault
"Como foi feito o primeiro contato com Galhault e a Senhora de Malhaut pela Senhora de Logres [Guinevere]. E como Lancelot e Galhault saíram e conversaram com suas damas." (Lancelot em Prosa)

Lancelot e Galehaut
Na guerra que se seguiu, fica claro que o exército de Galehaut vai vencer o de Arthur. No entanto, Galehaut está tão impressionado com as proezas no campo de batalha de um dos cavaleiros de Arthur, o misterioso Cavaleiro Negro, que por sua causa ele renuncia a uma vitória certa e se rende a Arthur por uma chance de passar uma noite a sós com o enigmático herói. O cavaleiro, que acaba por ser o jovem Lancelot, aceita com gratidão a companhia de Galehaut. O que se segue é um conto do amor de Galehaut por Lancelot, interpretado por alguns estudiosos modernos como um vínculo cavalheiresco e uma profunda amizade masculina e por outros como amor erótico explícito, no qual Galehaut figura como personagem central ao se tornar o herói trágico da história.

No início, Lancelot continua a servir Galehaut em seu reino natal, Sorelois, onde a amizade entre os dois se desenvolve e fortalece, tornando-se a tal ponto íntima que Galehaut deixa o seu quarto durante as noites para se deitar na cama de Lancelot. Mais tarde Guinevere chega a Sorelois, depois que Lancelot a salva do enfeitiçado Arthur durante o episódio da "falsa Guinevere" (Genievre, meia-irmã idêntica a Guinevere, que fez Arthur se voltar contra ela através de um feitiço). Depois disso, Arthur convida Galehaut para se juntar à Távola Redonda. Apesar desse desfecho feliz, Galehaut, que sacrifica o seu amor pela felicidade de Lancelot, é quem convence Guinevere de que ela pode retribuir o afeto de Lancelot, uma ação que resulta pelo menos parcialmente na queda de Camelot. No Tristão em Prosa e suas adaptações, incluindo o relato dentro da Busca (Queste) pós-Vulgata, o próprio Lancelot abriga em seu castelo os amantes fugitivos Tristão e Isolda enquanto fogem do vingativo Rei Marcos da Cornualha.

Lancelot e Galehaut
Fiel à Rainha Guinevere e ao Príncipe Galehaut, Lancelot recusa os avanços enérgicos de várias mulheres, incluindo os da Rainha Morgana a Fada (Morgan le Fay), irmã feiticeira de Arthur. Morgana constantemente tenta seduzir Lancelot, a quem ela ama e odeia ao mesmo tempo com a mesma intensidade. Ela até o sequestra repetidamente, uma vez com seu coven de outras rainhas mágicas. Em uma ocasião (conforme contado no Lancelot em Prosa), Morgana concorda em liberar temporariamente Lancelot para salvar o cavaleiro Gawain (parente de Arthur e amigo de Lancelot), com a condição de que Lancelot volte para ela imediatamente depois; ela então o liberta sob a condição de que ele não passe nenhum tempo com Guinevere ou Galehaut por um ano. Essa condição faz com que Lancelot fique meio louco e Galehaut adoeça de saudade dele. Galehaut acaba finalmente morrendo aos 39 anos de angústia, após receber um boato falso sobre o suicídio de Lancelot.


Lancelot
Lancelot louco no livro The Boy's King Arthur, arte de N. C. Wyeth
Galehaut literalmente morreu de saudade de Lancelot. Lancelot, no final de sua própria vida, é enterrado ao lado de Galehaut em seu castelo de Joyous Gard ("Guarda Feliz", lar e formidável fortaleza de Lancelot), na magnífica tumba que ele construiu para consagrar e eternizar sua amizade-amor pois Lancelot havia prometido previamente a Galehout que eles iriam ficar juntos mesmo na morte, apesar do muito que ele também desejasse ser enterrado junto de Arthur e Guinevere. Na Pós-Vulgata, o local do enterro e os corpos de Lancelot e Galehaut são posteriormente destruídos pelo Rei Marcos quando ele devasta o antigo reino de Arthur. Muito depois de sua morte, Galehaut continua a ser comumente lembrado como um exemplo de grandeza.

Lancelot e Galehaut
Desde o início do século XIII, houve inúmeras recontagens da vida, amores e cavalheirismo da carreira de Lancelot e a história de sua ligação adúltera com a Rainha Guinevere sempre fez parte de todos os relatos significativos do Rei Arthur. A segunda história de amor do herói, no entanto, aquela relatada na Lancelot em Prosa, na qual Galehaut sacrifica seu poder, sua felicidade e, finalmente, sua vida por causa de Lancelot, foi amplamente esquecida — e não precisamos pernsar muito para descobrir o porquê. O próprio personagem reaparece em vários contos arturianos, em várias línguas diferentes, mas sem o mesmo significado. A releitura mais conhecida em inglês, Le Morte d'Arthur de Thomas Malory, do século XV, reduziu-o a apenas um vilanesco "aminimigo" relativamente menor de Lancelot, deixando Guinevere sem rival nas afeições de Lancelot, além de também relatar uma parte do lado de Tristão da história na parte "O Livro de Sir Tristrams de Lyons". Malory, no entanto, dá uma reminiscência do papel tradicional de Galehaut a um Cavaleiro da Távola Redonda com nome semelhante, mas diferente, chamado Galahodin, um personagem derivado do genro e sucessor de Galehaut, Galehodin da Vulgata (em La Tavola Ritonda, o herdeiro de Galehaut é seu filho chamado Abastunágio). Além disso, Malory criou outro companheiro de Lancelot (e seu próprio parente) com o semelhante nome de Galyhod. No romance italiano Tristano Riccardiano, Galehaut morre devido aos ferimentos após um duelo com Tristão na tentativa de vingar a morte dos pais do meio-gigante, perdoando-o no final.

Legado

Como diz Dante Alighieri no quinto canto do Inferno, Galehaut era o livro que Paolo e Francesca estavam lendo, quando se renderam ao seu amor adúltero. Dante menciona Galehaut [Inf. V, 137] como o próprio livro e o autor dele, intermediário entre Lancelot e a Rainha. E Boccaccio, movido pela generosidade do grande senhor, usa seu nome como subtítulo de seu Decameron ("Il Principe Galeotto"). Em espanhol, galeoto é ainda uma palavra arcaica para cafetão.

Romances, peças, poemas e filmes subsequentes aceitaram essa simplificação do conto. Na verdade, Galehaut tornou-se tão obscuro que os leitores modernos às vezes confundem o nome com uma mera variante de Galahad. Galahad é o cavaleiro "puro", o "escolhido" que realiza a busca pelo Santo Graal em uma parte da lenda arturiana bastante distinta da história em que Galehaut aparece. Não há conexão entre as duas figuras.


Fontes:

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