Alexandre o Grande foi religiosamente um homem de seu tempo e o catalisador da mudança no padrão da vida religiosa grega. Ele aceitava a onipresença divina no mundo e participava ativamente na prática religiosa grega, mas também estava imbuído de sua própria importância, que evoluiu ao longo do tempo para uma crença em sua própria divindade. Após a sua morte precoce, Alexandre, o maior conquistador de todos os tempos, que já era adorado como um deus em vida, teve sua apoteose e ascendeu ao Olimpo em 11 de junho de 323 AEC.
A adoração de um governante na cultura grega antiga é a prestação, como a um deus ou herói, de honras divinas a indivíduos amplamente reverenciados por causa de suas realizações, posição ou poder.
Na sociedade aristocrática do período arcaico, como na pólis clássica do século V AEC, ninguém conseguia alcançar uma posição de tal preeminência geralmente reconhecida que justificasse a concessão de honras divinas: a heroização póstuma, em vez da deificação, era a honra para os fundadores de cidades. O primeiro caso de honras divinas ocorreu no confuso período do final da Guerra do Peloponeso, quando o general Lisandro, erastes (amante) do rei Agesilau II de Esparta e o homem mais poderoso do Egeu à época, recebeu culto divino em Samos.
Faraó Alexandre diante do deus Amon-Min em uma cena do Templo de Luxor (Amon-Min é um amálgama dos deuses egípcios Amon, pai egípcio de Alexandre, e Min, cujo falo ereto foi vandalizado por cristãos) |
Alexandre o Grande como um Deus
O antigo conceito do “direito divino dos reis” permitia que o governante de um país recebesse o seu poder ou autoridade de Deus. No entanto, poucos, se é que algum, estavam delirando o suficiente para realmente acreditarem que eram um deus. Uma exceção a isso foi Alexandre o Grande, da Macedônia. Em 334 AEC, aos 22 anos de idade, ele e seu exército cruzaram o Helesponto e embarcaram em uma jornada de uma década para conquistar o Império Persa. Como descendente de Aquiles e de Héracles (Hércules), Alexandre acreditava que a sua vitória final sobre o rei Dario III era o seu destino. Na época de sua morte, em 323 AEC, ele estava convencido de que não era filho do rei Filipe II, mas, em vez disso, filho do onipotente deus grego Zeus.
Voo de Alexandre o Grande em sua carruagem puxada por grifos, século XI (originalmente em Constantinopla, atual Istambul, atualmente na Basílica de São Marcos em Veneza) |
Há alguns que não consideram Alexandre “grande”. Eles rejeitam a sua suposta “divindade” e questionam a sua natureza implacável, particularmente a sua responsabilidade pela morte de milhares de pessoas. No entanto, se ele realmente se considerava um deus é ofuscado pela forma como ele é lembrado na história. Independentemente de como é considerado pelos outros, ele pessoalmente acreditava ser um indivíduo profundamente religioso. Para ele, Zeus era o pai de toda a humanidade — não apenas dos gregos e macedônios, mas também dos persas, egípcios e indianos, enfim, de todos nós. Ao cruzar a Ásia, ele manteve a mente aberta em relação aos “bárbaros” e seus costumes — ele até fez um sacrifício ao deus egípcio Ápis em Mênfis. Embora possa ter respeitado a religião e cultura deles, ele ainda acreditava na superioridade da civilização grega e, para ele, Aristóteles, seu antigo tutor, era o principal expoente dessa cultura grega.
A última grande obra de Arno Breker, uma escultura monumental de Alexandre o Grande com a Águia de Zeus (2,30 m de altura), 1982 |
Alexandre o Grande como Hélio, o Deus-Sol (cópia romana de um original helenístico do séc. III—II AEC) |
Do oráculo, ele cruzou o Helesponto até a Ásia Menor, mas antes de tocar o solo asiático, lançou uma lança no chão, reivindicando a Ásia como recompensa dos deuses. De lá, Alexandre viajou para o norte para visitar as ruínas de Troia, onde fez um sacrifício à deusa Atena e colocou, junto com Heféstion, guirlandas no túmulo conjunto de Aquiles e Pátroclo, correndo os dois nus ao redor do túmulo como forma de adoração.
Morte de Alexandre o Grande
A morte de Alexandre o Grande e os eventos subsequentes relacionados têm sido objeto de debates. De acordo com um diário astronômico babilônico, Alexandre morreu no palácio de Nabucodonosor II, em Babilônia, entre o anoitecer de 10 de junho e o anoitecer de 11 de junho de 323 AEC, pouco mais de um mês antes de completar 33 anos de idade.
Segundo registros no diário astronômico babilônico, Alexandre morreu no vigésimo nono dia do mês babilônico Ajaru, segundo mês do 14º ano do reinado de Alexandre (ele subiu ao trono como rei da Macedônia em 336 AEC), período entre a noite de 10 de junho e a noite de 11 de junho de 323 AEC. Podemos, no entanto, ser mais precisos. Existem dois tipos de entradas no diário astronômico: algumas são introduzidas com palavras como "Noite do vigésimo sétimo", outros com "O vigésimo sétimo". No primeiro caso, o registo inicia-se com observações feitas durante a noite (podendo ou não continuar com as observações feitas durante o dia), no segundo caso, encontramos apenas observações feitas durante o dia. Como a entrada de 29 Ajaru é do segundo tipo ("O vigésimo nono: O rei morreu. Nuvens."), podemos ter certeza de que Alexandre morreu no dia 11 de junho, entre a manhã e o anoitecer. É possível ser ainda mais preciso. De acordo com a Vida de Alexandre, do autor grego Plutarco de Queronéia (seção 76.9), os Diários Reais da Macedônia relataram a morte de Alexandre pros deilên ("antes do anoitecer" em grego). Embora deilê às vezes seja traduzido como “anoitecer”, na verdade é uma indicação da nona e décima horas do dia — ou seja, na semana do solstício de verão, entre 3h e 6h da tarde do dia 11 de junho de 323 AEC.
Macedônios e residentes locais choraram com a notícia da morte, enquanto os súditos persas foram forçados a raspar a cabeça. A mãe de Dario III, Sisigâmbis, ao saber da morte de Alexandre, que amava como um filho, ficou deprimida e mais tarde se matou. Os historiadores variam nas suas avaliações das fontes primárias sobre a morte de Alexandre, o que resultou em diferentes opiniões sobre a sua causa e circunstâncias, desde causa natural como alguma doença até mesmo assassinato orquestrado por seus próprios comandantes. As teorias da morte por causa natural também tendem a enfatizar que a saúde de Alexandre pode ter piorado em geral após anos de bebedeira e ferimentos graves. A angústia que Alexandre sentiu após a morte de Heféstion oito meses antes também pode ter contribuído para o declínio pronunciado de sua saúde.
Culto e Legado
Alexandre o Grande como Hélio Cosmocrátor, o "Sol que Governa o Universo" |
Em 322 AEC, o corpo iniciou sua longa jornada de volta para casa. De Babilônia a Damasco, as pessoas se reuniram ao longo das estradas. Uma equipe de 64 mulas e uma guarda militar acompanharam a carruagem funerária. O caixão de ouro de Alexandre foi adornado com esculturas e pinturas, além de joias. Infelizmente, o rei nunca chegaria à Macedônia. Ptolomeu, que se tornou o regente do Egito, raptou-o e levou-o para Mênfis. Este roubo foi um dos muitos incidentes que levaram Ptolomeu e Pérdicas à guerra, mas depois de três tentativas fracassadas de invadir o Egito, Pérdicas foi morto por suas próprias tropas.
O túmulo de Alexandre é atestado em vários relatos históricos, mas sua localização atual exata permanece um mistério. Após a morte de Alexandre na Babilônia, seu corpo, como dito, foi inicialmente enterrado em Mênfis por Ptolomeu, antes de ser transferido para Alexandria, também no Egito, onde foi enterrado novamente. Júlio César, Cleópatra e Otávio Augusto, entre outros, são conhecidos por terem visitado o túmulo de Alexandre em Alexandria na antiguidade. Seu destino posterior é desconhecido e possivelmente foi destruído nos séculos IV ou V; desde o século XIX, mais de cem tentativas oficiais foram feitas para tentar identificar o local do túmulo de Alexandre em Alexandria, ainda sem sucesso.
Alexandre o Grande como Faraó, Período Ptolomaico, estátua colossal encontrada em Tebas, Egito |
Para legitimar seu governo como Ptolomeu I Sóter (r. 323–282 AEC), o general Ptolomeu se baseou, como os outros Diádocos ("Sucessores"), não apenas no direito de conquista, mas também na suposta sucessão legítima de Alexandre. Ptolomeu I não apenas se retratou como o amigo mais próximo de Alexandre em seu trabalho histórico, mas em 321 AEC ele apreendeu seu corpo enquanto o cortejo fúnebre de Alexandre estava a caminho da Babilônia para a Macedônia, e o trouxe para a capital egípcia, Mênfis. Esta reivindicação foi particularmente útil no Egito, onde Alexandre foi saudado como libertador do Império Aquemênida (as chamadas 27ª e 31ª dinastias) e foi entronizado como Faraó e filho da divindade egípcia Amon-Rá, recebendo honras divinas. Durante a sua estada no Egito, Alexandre também lançou as bases da cidade de Alexandria, que se tornou a principal colônia grega e capital do país.
No recém-estabelecido Reino Ptolomaico, o elemento helênico (os macedônios e os outros gregos das cidades-estado helênicas), ao qual pertencia a própria dinastia ptolomaica, formou a classe dominante que sucedeu aos faraós egípcios nativos. Embora a realeza sagrada fosse praticada há muito tempo no antigo Egito e em outras civilizações do antigo Oriente Médio, era quase inédita no mundo grego. Impulsionado por suas conquistas sem precedentes, no último ano de sua vida Alexandre exigiu até mesmo de seus súditos gregos que ele fosse tratado como um Deus vivo (apoteōse). Isso foi aceito apenas com relutância, e muitas vezes rejeitado abertamente, pelas cidades gregas, mas a prolífica fundação de cidades por Alexandre por si só garantiu para ele um status divino nelas, uma vez que as cidades gregas tradicionalmente prestavam ao seu fundador honras divinas.
Alexandre Rondanini (restauração, cópia romana de um original de Eufranor). Ao representar Alexandre nu, os artistas pretendiam mostrá-lo como um herói ou um deus, que são usualmente representados nus. |
Os Ptolomeus atribuíram ao deificado Alexandre um lugar de destaque no panteão grego, associando-o aos Doze Olimpianos como Zeus e Apolo. Consequentemente, nos documentos, Alexandre era referido simplesmente por seu nome, já que o epíteto theos ("deus") era considerado supérfluo.
As Guerras dos Diádocos continuariam e o vasto império de Alexandre nunca seria reunificado. Em 316 AEC, sua mãe, esposa e filho acabariam morrendo por ordem de Cassandro, o regente de sua terra natal, a Macedônia, que tinha um ódio mortal de Alexandre e, inclusive, foi acusado de tê-lo matado por envenenamento.
Alexandre Hélio, o rei como deus-sol, período romano |
Em 391 EC o fanatismo religioso do imperador cristão de Roma, Teodósio, provocou o fechamento do túmulo em Alexandria ao acusar o culto de Alexandre de contradizer o dogma do cristianismo. O corpo de Alexandre foi então retirado do túmulo e mostrado uma última vez em público como sinal de devoção. No ano seguinte, sacerdotes de Alexandre retiraram o corpo e outros elementos do túmulo e os esconderam em local desconhecido, fazendo com que desaparecessem totalmente da história. Por volta de 450, o túmulo também desapareceu durante séculos da memória do mundo — embora o diplomata Leão o Africano (al-Hasan Muhammad al-Wazzan al-Fasi, séc. XVI), o geógrafo e historiador espanhol Luis del Marmol de Carvajal (séc. XVI) e o viajante inglês George Sandys (séc. XVII) afirmavam terem visitado o túmulo em Alexandria que na época deles era ainda um local de peregrinação e de veneração a Alexandre, atraindo imensas multidões de vários países em séculos mais recentes. Sandys notou que a veneração de Alexandre foi prolongada pelos séculos no mundo árabe porque o deus-rei era considerado um profeta no Alcorão (Surat XVIII, ‘Al Kahf’ ["A Caverna"]).
Conclusão
Busto de Alexandre o Grande (Gliptoteca Ny Carlsberg) |
Como avaliar Alexandre? Antes de completar 23 anos, ele liderou um exército através do Helesponto e na Ásia. Ele guiou este exército pela frente, não pela retaguarda. Ele era leal, uma característica que inspirava seus homens. Porém, há quem não o veja como Alexandre o Grande. Para estes ele é um assassino em massa, responsável pelas inúmeras mortes de gregos, macedônios e persas. Para outros, ele morreu cedo demais, por isso não é possível determinar o seu lugar na história. No entanto, se ele realmente se considerava um deus é ofuscado pela forma como ele foi lembrado. Em suas Campanhas de Alexandre, o historiador Arriano escreveu sobre sua admiração,
É minha convicção que não havia naqueles dias nenhuma nação, nenhuma cidade, nenhum indivíduo fora do alcance do nome de Alexandre; nunca em todo o mundo houve outro como ele e, portanto, não posso deixar de sentir que algum poder mais do que o humano esteve envolvido em seu nascimento… (398).
Quer você considere Alexandre um deus ou não, ou se ele mesmo acreditava ser um, suas realizações resistiram ao teste do tempo e ele ainda é admirado mais de dois milênios após sua morte, tendo merecido seu lugar no Olimpo da história.
O Festim de Alexandre o Grande, de Pierre Peyrolle |
https://www.worldhistory.org/article/925/alexander-the-great-as-a-god/
https://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_the_Great
https://en.wikipedia.org/wiki/Death_of_Alexander_the_Great
https://en.wikipedia.org/wiki/Ptolemaic_cult_of_Alexander_the_Great
https://www.livius.org/sources/content/oriental-varia/a-contemporary-account-of-the-death-of-alexander/
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