Na cidade-estado de Tebas na Grécia antiga homens podiam formalizar sua união amorosa num templo, viver juntos pelo resto da vida e ser enterrados lado a lado à mesma maneira dos casais heteroafetivos.
Entre os muitos caminhos que levaram à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil sobre o casamento do mesmo sexo em 2011, uma das rotas mais significativas passa pela Beócia, na Grécia Central. Esta região e sua principal cidade, Tebas, estabeleceram um precedente para uniões homoafetivas masculinas que impressionou profundamente o mundo grego antigo, bem como os pioneiros dos direitos homossexuais na Inglaterra e nos EUA do século XIX.
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Hoplita do Batalhão Sagrado de Tebas, por Christos Giannopoulos |
A longa trilha começa não com um tebano, mas com um coríntio, um rico aristocrata chamado Filolau. Em algum momento do século VIII AEC, esse homem deixou Corinto com seu amante, um atleta olímpico chamado Diocles, e desembarcou em Tebas. O casal fugia da paixão incestuosa da mãe de Diocles – um drama digno de Sófocles, supõe-se, mas Aristóteles, a fonte da fuga, não fornece detalhes.
Casais masculinos comprometidos, dispostos a se exilar juntos, ainda eram incomuns na Grécia Antiga. Os casos homoeróticos eram tipicamente de curta duração, terminando quando o parceiro mais jovem – que pode ter sido pré-púbere no início – começava a ter pelos faciais. Esse é o modelo descrito pelos oradores de Platão no diálogo Simpósio (ou O Banquete), uma das nossas fontes mais completas de costumes sexuais antigos. Mas Filolau e Diocles eram ambos homens adultos.
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Hoplita Tebano, por Chrístos Giannopoulos |
Avançando para o século IV AEC, onde as evidências da singularidade tebana são mais difundidas. Em Atenas, observadores como Xenofonte notaram que os amantes masculinos entre os beócios (o grupo étnico que incluía os tebanos) viviam juntos "como companheiros de jugo" [N/T: de onde vem "conjugal" e "cônjuge", que etmologicamente quer dizer "juntos em jugo"], uma metáfora geralmente usada para o casamento heterossexual. Aristóteles, em uma obra hoje perdida, mas citada por Plutarco, descreveu como casais masculinos tebanos juravam fidelidade um ao outro junto ao santuário do túmulo de Iolaus, companheiro de Héracles (Hércules), um par mítico de heróis que a maioria dos gregos presumia também terem sido parceiros sexuais.
De longe, a evidência mais significativa de laços do mesmo sexo entre adultos tebanos é o lendário Batalhão Sagrado, descrito por Plutarco (ele próprio um beócio) em sua obra Vidas Paralelas. Este regimento de infantaria era formado por 150 casais masculinos, dos quais ambos os parceiros estavam claramente acima da idade mínima para o serviço militar [N/T: em torno de 20/21 anos pra cima]. Os tebanos estabeleceram esta tropa em 379 ou 378 AEC em resposta à agressão espartana e, com sua ajuda, derrotaram os espartanos em batalha aberta apenas sete anos depois.
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O Batalhão Sagrado de Tebas no jogo Rome 2 Total War |
A eficácia do Batalhão, diz Plutarco, baseava-se na maneira como dois amantes, lutando lado a lado, se esforçavam para impressionar um ao outro com destreza e coragem. É exatamente a mesma razão pela qual um par de cavalos de carruagem corre mais rápido do que qualquer cavalo sozinho, diz Plutarco (que parece saber disso com certeza). Platão faz uma observação relacionada no Simpósio, ao discutir um hipotético exército de amantes: Ninguém, diz ele, gostaria que seu amado o visse se virar e correr diante do perigo.
O túmulo do Batalhão Sagrado foi desenterrado exatamente no momento, no final do século XIX, em que homens andrófilos, na Europa e nos EUA, estavam saindo do armário pela primeira vez. Walt Whitman escreveu em Folhas de Relva (Leaves of Grass) sobre uma cidade onde o "amor másculo" floresceu, aparentemente inspirado pelo relato de Plutarco sobre Tebas. Na Inglaterra, o estudioso clássico e ensaísta John Addington Symonds escreveu uma apaixonada defesa da cultura homomasculina grega, incluindo a de Tebas, em seu panfleto seminal "Um Problema na Ética Grega" ("A Problem in Greek Ethics").O trabalho de Symonds e Whitman influenciou George Cecil Ives, um homem homo vitoriano e amigo de Oscar Wilde, a fazer do Batalhão Sagrado seu emblema do orgulho homomasculino. Ele fundou uma sociedade secreta, a Ordem de Queroneia, para fornecer um fórum para homoafetivos enrustidos e trabalhar por uma sociedade mais inclusiva. O volumoso diário que ele manteve durante o final do século XIX e início do século XX é hoje considerado uma fonte vital para o início do movimento pelos direitos homossexuais.
Ives ficou tão fascinado pelo Batalhão Sagrado que começou a datar as entradas de seu diário de acordo com os anos decorridos a partir de 338 AEC, data da Batalha de Queroneia. Ele acreditava que a nova era do mundo havia começado não com o nascimento de Cristo, mas com a destruição do Batalhão Sagrado por Alexandre, o Grande. A extinção do Batalhão Sagrado, aos seus olhos, havia marcado uma grande queda em desgraça, o fim de uma era em que homens andrófilos como ele podiam viver uma vida sem impedimentos de condenação.
Ives estava otimista de que a era de ouro que terminou em Queroneia poderia um dia retornar. "Acredito que a Liberdade está chegando", escreveu em seu diário em 1893. "Às vezes penso que alguns de nós viveremos para ver a vitória." Quão gratificado ele teria ficado com a legalização do casamento do mesmo sexo em vários países e outros tipos de "vitória" pela inclusão — marcos alcançados com a ajuda, em pequena parte, de Tebas e seu Batalhão Sagrado.
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Texto original de James Romm (com adaptações)
James Romm é professor de Estudos Clássicos no Bard College em Annandale, Nova York, EUA, e autor de The Sacred Band: Three Hundred Theban Lovers Fighting to Save Greek Freedom.
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