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14 dezembro 2016

Hermafrodito: estuprado por uma ninfa, torna-se deus dos afeminados, hermafroditas e héteros

Hermafrodito e Salmácis, de Jean Francois de Troy
Hermafrodito e Salmácis, de Jean Francois de Troy (séc. 18)
 Na mitologia grega, Hermafrodito é filho dos deuses Hermes e Afrodite, daí o seu nome. De acordo com Ovídio, ele era um rapaz extraordinariamente belo, por quem a ninfa das águas Salmácis apaixonou-se, estuprou e rezou para serem unidos para sempre.

Um deus, em resposta à oração da ninfa, fundiu suas duas formas e transformou-os em um ser metade homem e metade mulher, absolutamente contra a vontade de Hermafrodito, que, tomado de ódio, amaldiçoou a lagoa em que fora estuprado. Hermafrodito é um dos Erotes, os belos deuses alados do amor e do sexo.

Por ser filho de Hermes e, consequentemente, bisneto do titã Atlas, às vezes ele é chamado de Atlantíades ou Atlântio (Atlantius). O pai de Hermafrodito, Hermes, também é chamado de atlantíada, porque sua mãe, Maia, é filha de Atlas.

O nome de Hermafrodito é a base para a palavra "hermafrodita". O seu mito é uma advertência contra a afeminação em homens e a luxúria em mulheres.

Hermafrodito Adormecido, Louvre, Paris
Hermafrodito Adormecido, Louvre, Paris (autor e século desconhecidos)
Simbolismo
Hermafrodito, filho duo-sexuado de Afrodite e Hermes, tinha sido um símbolo de androginia ou efeminação e era retratado na arte greco-romana como uma figura feminina com genitais masculinos.

Hermafrodito como um dos Erotes
Hermafrodito como um dos Erotes numa pintura
em cerâmica. A lebre representa desejo sexual.
A versão de Teofrasto também sugere uma ligação entre Hermafrodito e a instituição do casamento. A associação de Hermafrodito com o casamento parece ter sido porque, por consagrar as qualidades masculinas e femininas, ele simboliza a junção de homens e mulheres em união sagrada. Outro fator ligando Hermafrodito a casamentos é o papel do pai e da mãe em proteger e abençoar as noivas.

O nome de Hermafrodito, como dito, é derivado dos seus pais Hermes e Afrodite. Todos os três deuses figuram largamente entre figuras eróticas e da fertilidade, e todos possuem conotações sexuais distintas. Às vezes Hermafrodito é referido como Afrodito. O deus fálico Priapo é filho de Hermes em algumas versões, bem como o jovem deus do desejo, Eros, é filho de Hermes e Afrodite segundo algumas fontes.

Mitologia
Hermafrodito e Salmácis, de Giovanni Antonio Pellegrini
Hermafrodito e Salmácis,
de Giovanni Antonio Pellegrini (séc. 18)
A versão de Ovídio relata que Hermafrodito foi criado por náiades nas cavernas do Monte Ida, uma montanha sagrada na Frígia (atual Turquia). Com a idade de quinze anos, ele cresceu entediado com seu entorno e viajou para as cidades da Lícia e da Cária. Foi nos bosques da Cária, perto de Halicarnasso (atual Bodrum, Turquia) que ele encontrou a ninfa Salmácis na lagoa que pertencia a ela, a única náiade que não seguia a casta deusa Ártemis. A ninfa foi tomada de desejo pelo rapaz, que era herdara a beleza de seus pais, mas era ainda jovem, e tentou seduzi-lo, mas foi rejeitada, pois ele era inocente para o amor. 'Basta!' ele gritou 'Já chega! Ou vou deixar este lugar... e você.' Quando ele pensou que ela tinha ido embora, Hermafrodito despiu-se e entrou nas águas da lagoa vazia. Salmácis saltou de trás de uma árvore e pulou na água. Ela envolveu-se no corpo nu do rapaz, beijando-o à força e acariciando-o contra a vontade dele, que lutava para se libertar, mas ela se prendia ainda mais forte a ele. 'Tolo, lute comigo o quanto quiser', ela gritou, 'Você não vai escapar! Ó Deuses, ordenem que jamais chegue o dia de nos separar!' Seu desejo foi concedido, e seus corpos se misturaram em uma única forma, nem homem, nem mulher, "uma criatura de ambos os sexos".

Hermafrodito e Salmácis, de Francesco Albani
Hermafrodito e Salmácis, de Francesco Albani (séc. 17)
Então, quando ele viu que as águas da lagoa [N/T: mesmo após a transformação, Ovídio continua chamando-o pelo masculino], onde ele mergulhou um homem, o tornou metade mulher e seus membros agora fracos e macios, levantando as mãos, Hermafrodito gritou, sua voz menos masculina: 'Querido pai [Hermes] e querida mãe [Afrodite], cujos dois nomes eu carrego, conceda-me, a seu filho, que quem nessas águas banhar um homem saia metade mulher, enfraquecido instantaneamente.' Ambos os pais ouvem; ambos, movidos para gratificar seu filho bissexuado, para garantir o seu propósito, intoxicaram a água brilhante com esse poder impuro.

Hilas e uma Ninfa, ou Hermafrodito e Salmácis (Escola Francesa)
Hilas e uma Ninfa, ou Hermafrodito e Salmácis
(Escola Francesa)
A maldição de Hermafrodito é dúbia: não está claro se quer dizer que todo homem que mergulhar naquela lagoa se tornará um hermafrodita como ele ou um afeminado, mas a mensagem é clara: qualquer que seja desses resultados, um homem abdicar de sua masculinidade é uma maldição, algo que o filho de Hermes e Afrodite abomina, mas teve que carregar consigo contra a sua vontade pela eternidade.

Diodoro Sículo, em seu trabalho Biblioteca da História, menciona que alguns dizem que Hermafrodito é um deus e aparece em determinados momentos entre os homens, mas há alguns que declaram que tais criaturas de dois sexos são monstruosidades e raramente vêm ao mundo, tendo a qualidade de pressagiar o futuro, às vezes para o mal e, por vezes, para o bem.

Culto e adoração
Os vestígios mais antigos do culto no mundo grego encontram-se em Chipre. Aqui, de acordo com o autor romano Macróbio (Saturnália), havia uma estátua barbada de uma Afrodite masculina, chamada Afrodito por Aristófanes. Filócoro, em seu Atthis, também identifica esta divindade, em cujos sacrifícios homens e mulheres trocavam de roupa, como a Lua muda no céu (não à toa, Platão identifica a Lua como progenitora dos homens e mulheres que amam o sexo oposto em seu Simpósio, enquanto o Sol é o pai dos homens que amam homens e a Terra é a mãe das mulheres que amam mulheres). Uma placa de terracota do século 7 AEC retratando Afrodito foi encontrada em Perachora (Grécia continental), que sugere ser um culto arcaico.

Hermafrodito, arte helenística
Hermafrodito, arte helenística
A deificação e as origens do culto de seres hermafroditas derivam de religiões orientais, onde a natureza hermafrodita expressava a ideia de um ser primitivo que reunia ambos os sexos. Este duplo sexo também é atribuído a Dioniso e Priapo — a união em um ser dos dois princípios da geração e da concepção —, denotando fertilização extensiva e poderes produtivos.

Esta Afrodite Cípria masculina é o mesmo Hermafrodito de mais tarde, o que significa, simplesmente, que é Afrodito sob a forma de uma herma e primeiro ocorre em Os Caráteres de Teofrasto. Após a sua introdução em Atenas (provavelmente no século 5 AEC), a importância desta divindade parece ter diminuído. Ele já não aparece como objeto de um culto especial, mas limitado à homenagem de certas seitas, expressada por ritos supersticiosos de significado obscuro.

O autor Alcifrão menciona que havia em Atenas um templo de Hermafrodito. A passagem propõe que ele pode ser considerado como a divindade que presidia sobre as pessoas casadas; a união estrita entre marido e esposa sendo apropriadamente representada por uma divindade, que era masculina e feminina inseparavelmente misturada.

Hermafrodito e Salmácis, de Jean-Auguste Dominique Ingres
Hermafrodito e Salmácis, de Jean-Auguste Dominique Ingres (séc. 19)
Literatura
As primeiras menções a Hermafrodito na literatura grega é pelo filósofo Teofrasto (século 3 AEC), em seu livro Os Caráteres, XVI O Homem Supersticioso, no qual ele retrata vários tipos de pessoas excêntricas.

Sátiro e Hermafrodito
Sátiro e Hermafrodito (século 2 EC)
A primeira menção de Hermes e Afrodite como pais de Hermafrodito foi pelo historiador grego Diodoro Sículo (século 1 AEC), em seu livro Biblioteca da História, livro IV, onde ele também conta que Hermafrodito já teria nascido parte homem e parte mulher:

Hermafrodito, como ele tem sido chamado, que nasceu de Hermes e Afrodite e recebeu um nome que é uma combinação dos de seus pais. Alguns dizem que este Hermafrodito é um deus e aparece em determinados momentos entre os homens, e que ele nasceu com um corpo físico que é uma combinação do de um homem e do de uma mulher, em que ele tem um corpo que é bonito e delicado como o de uma mulher, mas tem a qualidade masculina e o vigor de um homem. Mas há alguns que declaram que tais criaturas de dois sexos são monstruosidades, e raramente vêm ao mundo, tendo a qualidade de pressagiar o futuro, às vezes para o mal e, por vezes, para o bem.

Sileno e Hermafrodito (de pênis ereto) com uma bacante. Afresco de Pompeia
Sileno e Hermafrodito (de pênis ereto) com
uma bacante. Afresco de Pompeia (século 1 EC)
A narração completa de seu mito está nas Metamorfoses de Ovídio (século 1 EC), onde a ênfase é sobre os ardis femininos da lasciva ninfa da água Salmácis e o seu comprometimento da força viril de Hermafrodito, detalhando a timidez do rapaz e a união de seus corpos.

Uma interpretação da história em um epílio (poesia épica), publicado anonimamente em 1602, foi mais tarde (em 1640) atribuída por alguns a Francis Beaumont.

Na Antologia Palatina (do ano 980), há uma referência a uma escultura de Hermafrodito que foi colocada em um banho público aberto para ambos os sexos. Nela existe uma passagem em forma de diálogo, baseada no diálogo entre Hermafrodito e Sileno. O deus Sileno, padrasto de Dioniso, afirma que ele teve relações sexuais com Hermafrodito três vezes. Hermafrodito reclama e objeta o fato invocando Hermes em juramento, enquanto Sileno invoca Pan em prol da confiabilidade de suas alegações.

Fonte

Hermafrodito Adormecido (século II), Museo Palazzo Massimo Alle Terme, parte do Museu Nacional de Roma
Hermafrodito Adormecido (século II),
Museo Palazzo Massimo Alle Terme, parte do Museu Nacional de Roma

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